Estes rojões são comuns à Beira Alta e à Beira Litoral. Outros rojões há, nomeadamente os do Minho, mas temperados de outro modo. Boticas tem uns rojões em banha também, desconheço-lhes o tempero, nunca os provei nem sabia deles, mas dá para cheirar, pelo menos,
o pendor do IRDH nos produtos já classificados e em curso de classificação. E a manteiga de vaca da Ilha de S. Miguel ― única! ―, a manteiga de ovelha da Beira Baixa, uma delícia não sei se já extinta, as enguias da Murtosa, as amêijoas do Algarve, o riquíssimo fumeiro da Beira Alta, por exemplo?
Os rojões das Beiras Alta e Litoral (desta, o distrito de Aveiro, pelo menos), quanto sei, só levam sal e, se não se gastassem logo,
conservavam-se em banha, que nisto dos comeres a globalização empurra todo o mundo ― todo o mundo, salvo seja ― para a comida
kitsch, a Coca-Cola, o
ice tea, a cerveja chilra. O avanço da segunda revolução industrial queimou a salgadeira do porco e substituiu-a pela arca frigorífica, e, agora, com a chamada terceira revolução, pela estantes e ilhas de congelados dos
hipers, no meio das quais o
bom povo vai passeando nos sábados à tarde e envelhecendo de mãos dadas, cantando para o futuro:
Recordas, amor, quando nos perdíamos
por consolas tão fartas
e ilhas de congelados e levávamos
o corpo a vadiar liberto
entre beijos sem fundo e apelos
de compras coloridas?
Bom, vamos mas é aos rojões. Usei quanto à carne o seguinte, conforme comprei à vista desarmada, sem falar em pesos:
Lombo da ponta (cachaço) - 2,8 kg
Toucinho gordo do lombo - 3,2 kg
Sal para a carne - 2% do seu peso.
Sal para a banha - 0,5%
Um tacho grande
Boiões de fecho hermético de ¾ de litro.
As imagens elucidam o processo todo, mas não bastam. O toucinho que arranjei é de porco ibérico. Pode ser de porco branco, e não será difícil encomendá-lo, porque arranjá-lo do pé para a mão em Portugal, isso não arranja,
que os porcos cá, como os novilhos, são magros e secos como carapaus da Nazaré, uma tristeza.
Dizia-me um amigo castelhano, dono de um restaurante, que no matadouro de onde se abastece vão camiões e camiões portugueses carregar carcaças de novilho e de porco, e exigem-nas magras, sem nenhuma gordura, ao passo que os espanhóis as levam normalmente gordas, o que torna a carne mais tenra, saborosa e suculenta.
Por mim creio que o vulgar dos consumidores nossos compatriotas não escolhe a carne
totalmente magra a pensar no colesterol, mas na gordura que assim deixa de pagar ao preço da chicha. De contrário, teria consciência das gorduras que come em montes de fritos e quejandos. Ou então porque não quer voltar a comê-la, pela muita que comeu nos tempos difíceis, e ser uma derrota mental tornar a comer carne gorda. Veja-se que difícil é hoje comer em restaurantes populares uma feijoada a preceito, é só carne magra, quando na feijoada, que sempre foi comida de pobre e remediado, são obrigatórios o chispe, a orelha, o toucinho, a entremeada gorda, além da chouriça, no mínimo.
Terá então de escolher para este rojões, se quiser, a ponta de lombo com gordura como a que vê
na imagem respectiva. Pode igualmente comprar pá, que a tem, embora em menor percentagem. A carne da perna e a do restante lombo é seca e a carne dos rojões tem de ter gordura. A não ser assim, mais vale fazer uns panados com ela, o que, de resto, em termos de lípidos vai dar ao mesmo ou quase.
Parta a carne em pedaços grandes, entre os 150 e os 200 g, mais para este peso que para aquele. Tempere-os com os tais 2% de sal, mas pode ir até os 1,8% do peso da carne se for de menos sal. Deixe-os estar umas horas a absorver o tempero. Se não tem balança digital, dá muito jeito tê-la para os pesos exactos, e não são caras. Pode mesmo aperfeiçoar-se no sal a tal ponto que
chegue a estabelecer tabelas para os diversos tipos de alimentos, sopa, arroz, batatas, massas, peixe, etc.
Corte o toucinho, em bocados bastante mais pequenos (ver na 6.ª imagem). Tempere-o com 0,5% de sal e se aproveitar os torresmos finais, rectifique-os de sal antes de esgotados de banha. Desta vez, tirados os rojões e a banha sobejante, não houve torresmos. Esqueci-me deles ao lume e ficaram estorricados, riso amarelo.
Ponha o toucinho e a carne num tacho grande com um copo de água no fundo e vigie a força do calor,
dando uma volta de vez em quando ao preparado.
Entretanto, já esterilizara os boiões no forno a 100º C durante 30 m, e as borrachas vedantes em água a ferver durante o mesmo tempo.
Louros os torresmos, deixei-os amornar e aconcheguei-os o melhor possível nos boiões, sem chegarem muito ao cimo. Vi, na boca do frasco, o nível até onde chegava a parte inferior da tampa quando fechada, e enchi os boiões de banha líquida e morna até 1 mm abaixo desse nível.
Coloquei a borracha nas tampas e fechei os boiões, verificando se a borracha vedante estava absolutamente limpa.
Levei os frascos cheios a esterilizar mais de meia hora numa panela de água a ferver e a seguir arrefeci-os, como mostra a imagem, sobre a própria água quente da panela, com água fria a correr.
Depois verifiquei o vácuo. Estava muito firme.
Agora tenho de se esperar umas três semanas para que os rojões ganhem o seu aroma próprio de conserva, que os torna únicos. A partir de então podem abrir-se. É um
confit português para mim superior ao francês de pato, com um sabor que lembra, para melhor, o das boas
rillettes.
É uso aqui comerem-se com grelos, batatas cozidas e morcela, temperados com a própria banha. Costumam aquecer-se numa sertã com a própria banha, mas o melhor é aquecer o frasco sem os arames no microondas, o que dá para 3 ou 4 pessoas, ou então, os rojões um por um, o que os desfaz um pouco, salvo se amolecer previamente a banha e os retirar com cuidado.
Depois aproveita não só a banha que sobrou dos rojões consumidos, como a que excedeu as necessidades. É uma banha de alta qualidade.
Resta-me imaginar um modo moderno de os apresentar, porque bons estão eles, e quando os abrir ainda estarão melhores.
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