domingo, janeiro 06, 2008

Camarões tigre com vinho da Madeira e pimentos confitados

No outro dia, fiz estes camarões para o jantar e acompanhei-os com tiras de pimento vermelho confitado, de que, infelizmente, a imagem saiu mal. E digo que não sei o que me soube melhor, se os camarões, se os pimentos confitados, porque o sabor destes saiu muito delicado, e a sua carne, macia e firme .

Para 6 camarões tigre de Moçambique de 150 gr como média:

Sal
azeite virgem extra - 1 dl
Vinho da Madeira Verdelho - 20 ml
Salsa

Descasquei os camarões ainda meio congelados, deixando-lhes a cabeça e a cauda. Esperei que descongelassem de todo e retirei a tripa. Basta fazer uma incisão nas costas com uma faca, da base da cabeça até à cauda, e depois, com algum jeito, puxar a tripa , que sai inteira. Temperei-os com sal e deixei-os ficar assim uma meia hora. Entretanto ligara já o forno a 220ºC. Acomodei os camarões numa assadeira de pirex. Deitei o azeite e depois vinho da Madeira sobre os bichos, e levei-os ao forno. Em 12 minutos estavam prontos. Polvilhei-os com salsa antes de irem para a mesa.

Para os pimentos confitados:

1 pimento grande, bem vermelho e firme
Azeite virgem extra a cobrir
Sal grosso

Cortei o pimento às tiras de 5 mm e dividi-as em duas, no sentido do comprimento. Acomodei-as muito bem numa panela bastante pequena e cobri-as com azeite. Poupei assim azeite, que volta a ser ouro nos tempos que correm, e mesmo assim é preciso algum desamor às coisas terrenas...
Levei a panela a lume brando, e quando o pimento ainda estava algo duro, com as tiras já a ceder um pouco ao toque do garfo, desliguei o bico, e deixei-as acabar de cozer mergulhadas no azeite quente. Na hora de servir, temperei-as com sal grosso, dei-lhes uma mexedela .

Vi fazer estes pimentos num programa de culinária da televisão, mas era um modo diferente, quer quanto à quantidade do azeite, que deve cobrir o produto a confitar e não o cobria, quer quanto à temperatura, que era muito mais alta do que aquela que usei, duas condições indispensáveis para se alcançar a excelência num confit.

Nem vos conto nem vos digo, estava de se lamber os dedos, embora eu tenha comido de garfo e faca.

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segunda-feira, dezembro 24, 2007

Uma prenda de Natal - rabanadas do blogue

Já não irá a tempo, mas não faltarão ocasiões daqui até aos quase extintos Reis, e depois as rabanadas sabem sempre melhor fora da época. E porque oferecer - virtualmente, além da receita - logo um prato de rabanadas, num blogue que se diz de um gourmet? Porque são diferentes de todas as que se podem ter comido (digo eu, que ando, meia-volta, a inventar a pólvora sem fumo...) e porque são muito boas para quem goste de erva-doce.

Quando vi o frasco de mel de urze quase no fim é que me veio a ideia e, como ideia puxa ideia, lembrei-me de lhe juntar leite e vinho do Porto para as demolhar, e, depois de passadas por ovo batido e fritas, cobri-las com uma mistura não de açúcar e canela, mas de açúcar e erva-doce.


As quantidades, mais ou menos, para um cacete e 17 rabanadas:

Para embeber as fatias:

Leite - 0,5 litro
Mel de urze - 1 dl
Vinho do Porto - 0,5 dl

Para fritar as fatias:

3 a 4 ovos batidos
Óleo de girassol, de milho ou de amendoim, que não dão gosto.

Para polvilhar as fatias:

Açúcar areado branco - qb
1/2 pacote pequeno de erva-doce moída na altura

Aqueci o leite e dissolvi o mel nele, como disse . Juntei o vinho do Porto. Deixei que amornasse, e, depois de embebidas, fui fritando as rabanadas passadas pelo ovo, melhor, quem fez isso foi a minha ajudante. Escorreram no papel.


No fundo do prato de serviço (já eu), pus um pouco da mistura de açúcar e erva doce. Depois fui colocando as rabanadas, polvilhando-as de um lado e outro. Provei uma como sobremesa do almoço. Estavam e estão dignas de ser oferecidas como prenda deste blogue a todos os que aqui passam.

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domingo, dezembro 23, 2007

BOAS FESTAS

Bacalhau confitado em azeite, com cebola frita, migas de broa e grelos

Tinha de aparecer antes do Natal para desejar paz e alegria a todos que aqui passam. Há muito que não cozinho, e só ontem fiz, por minha cabeça, este bacalhau, e nem sequer o comi: ando a meia dieta. Tão-pouco tenho andado pela blogosfera gastronómica, como defesa das tentações. Não tirei mais fotos senão esta, mas dá para ver que é minha pelo cenário habitual.

O processo de confitar o bacalhau já aqui o explique. O mais foi cortar cebola às rodelas finas, separar-lhe as argolas, passá-las por farinha e fritá-las. A seguir, esmiuçar miolo de broa, fritá-lo em azeite até ficar estaladiço (dourado) e, no fim, juntar alho bem picado, dar uma volta e pronto. Os grelos foram cozidos e temperados com azeite e vinagre. Empratei tudo bem quente, e limitei-me a perguntar em pormenor como estava. Que estava muito bom. Pudera! O meu prémio foi ficar contente, e já não é pouco.

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domingo, dezembro 02, 2007

Fora de época

Estou há uns tempos fora da cozinha, vou para lá só quando me apetece, o que é uma vantagem para mim, mas não para quem por aqui passa, que vê sempre a mesma coisa, ainda que seja muito boa como de facto o era e estava o folhado de galinha.

Entretanto, agora apareço com um batido, tipo de bebida de que gosto muito desde miúdo, totalmente fora de época, é certo, porém, para mim, não há época para coisas geladas. Mesmo a água, no Inverno, a bebo do frígorífico, quando nesta terra está mais frio fora que dentro dele, o que pode parecer um disparate sem nexo, e é, eu sei. Tanto mais que a água naturalmente gelada ou é ou sabe melhor. No entanto, além do muito mais, o ser humano é um bicho de manias, que vão desde as psicóticas ao mero tique. Como ainda não morri, tenho para mim que beber coisas geladas não estorva ninguém, nem sequer a mim. Até um dia, dirão, espero que sem razão.

O que levou o batido:

Um iogurte líquido de laranja de 125 ml (Lidl)
1/2 colher de chá de licetina de soja
400 ml de leite gordo Vigor
2 colheres de sopa bem cheias de cacau magro
1 colher de sopa rasa de licetina de soja
Vanilina - q.b.
Açúcar ou adoçante - a gosto.
1 colher de sopa de xarope de menta (para refrescos).

O leite e o iogurte estavam gelados. Bati, com a vara, o iogurte e a 1/2 colher de chá de licetina, até fazer bastante espuma. No copo misturador, bati o cacau com o leite, a colher de sopa de licetina de soja, açúcar a gosto, a pitada de vanilina.

Num copo Riedel - perdoem-me os enófilos (também o sou) - pus o batido de cacau, a seguir a espuma do iogurte por cima, e o restante iogurte com cautela para não ficar muito misturado. O xarope de menta, a um dos lados do copo. Tudo isto sem agitações. Et voilà. Um óptimo batido, mais cremoso por acção da licetina, usando as excelentes e tradicionais ligações com o chocolate: os sabores a laranja e a menta. Serviu-me de jantar sem mais nada. Um óptimo jantar de dia de trabalho. Para quem goste.

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segunda-feira, novembro 19, 2007

Folhado de galinha estufada

O blogue prova que sou, na cozinha e na mesa, uma pessoa dada a comidas de todos os extractos, frequentador de tascas e restaurantes modestos a restaurantes de topo, com a qualidade e as características exigidas a cada um deles.

Se este tipo de cozinha, a cozinha criativa, me dá prazer estético e a procura de novos sabores e conjunções me atrai; se pensei durante um dia neste prato, isto é, no seu tema central, a perna de galinha estufada, e ando há uma semana a pensar numas migas à maneira alentejana, daquelas de enrolar na sertã, mas com sabor a Beira Alta, umas migas de grelos de nabo, para acompanhar uns jaquinzinhos fritos que ainda não encontrei; se ontem pensava fazer francesinhas e não as fiz por irem dar-me imenso trabalho - só o molho! -, mas que comia com prazer, com uma cerveja; se neste blogue há de tudo, então serei uma pessoa pouco esquisita, e este prato não é mania nenhuma nem a dar-se ares de nada. Por isso, sem razões para me tomarem por elitista pedante (nem elitista nem pedante), podia ter dado a este prato o título: Folhado de perna de galinha estufada em porto e hortelã da ribeira, com puré de avelãs tostadas, maçã frita em manteiga de cardamomo e cerejas passas embebidas em conhaque. Ainda passava por aqui alguém e pensava: Folhado, onde raio é que está esse folhado? Podia explicar, sem que entendesse, que se tratava de uma desconstrução (culinária, que me perdoe Derrida). De qualquer modo, agora serviu para descrever o prato...

Corei a perna em azeite, como é já hábito neste blogue para estufados. Ia temperada só de sal.

Quando estava corada, juntei-lhe 3 chalotas picadas e ficaram a cozer no azeite. Antes que pusesse algum líquido, descuidei-me e queimaram-se, isto é, ficaram da cor da cebola para um refogado puxado, quando a queria apenas cozida, transparente. Em boa hora. O descuido dera um sabor especial ao estufado, e tanto assim é que repetirei o mesmo, para este e para outros estufados. Há coisas no fogão que se descobrem por acaso ou errando, como esta. Coei o azeite, deitei a chalota picada e castanha no balde das galinhas, deglacei o fundo do tacho com um gole de água e juntei novas chalotas, desta vez inteiras. Adicionei um gole de porto D. Antónia, um porto bom não só para a cozinha, também para beber, a menos de 9 €. Tapei o tacho e deixei estufar. Não usei a salsa que se vê na imagem acima, usei hortelã da ribeira que tenho num vaso. Fui estufando a perna da galinha (bem grande, basta compará-la com a garrafa na imagem acima, por exemplo), deitando a princípio um gole de porto sempre que precisava de líquido, e depois de água, o tacho tapado. Temperei a meio com pimenta preta de moinho. Também, nessa altura, pus umas gotas de sumo de limão - poucas, 4 ou 5. Fui corrigindo de sal e juntando raminhos de hortelã da ribeira. A perna foi estufada longamente, no bico mais pequeno, lume no mínimo, por bem mais de 2 horas. Ficou como na imagem acima, a pele, a carne, o molho.

Previamente tostara no forno uma mão cheia de avelãs e, antes ainda, pusera as passas de cereja a amolecer em conhaque. Cortara uma rodela de massa folhada comprada num hiper e cozera-a no forno a 200 ºC. Retirei a perna e desossei-a. Aproveitei a pele, coei o molho.


Derreti manteiga numa sertã, juntei-lhe as sementes de uma vagem de cardamomo e pus gomos de maçã vermelha com casca a fritar.

Moí bem as avelãs tostadas na picadora, e fui-lhes juntando molho até formar uma papa. Corrigi de sal. O forno estava quente e pus nele o folhado já no prato de servir, bem como a carne e a pele de galinha, e ainda o puré de avelã.

Estava tudo bem quente, prato inclusivé, quando comecei a montagem. Primeiro, o folhado; sobre o folhado a carne desossada em três bocados; por cima da carne, a pele por que sou doido desde miúdo. Por sobre a galinha umas folhas de chicória, escarola e um vegetal da cor da couve roxa com um nome esquisito, salada que temperei com molho do estufado. Coloquei o "puré" de avelãs num pequeno copo com um rebento de hortelã da ribeira, dispus as fatias de maçã e enfeitei o prato com as passas de cereja.

A conjunção de sabores estava muito boa. Consegui, com o cardamomo, uma grande discrição do seu aroma forte nas fatias de maçã. Sabiam a cardamomo, porque eu sei que era cardamomo, quem as provasse, conhecendo-lhe o sabor, para adivinhar que aroma era aquele, teria de puxar bem pela memória de gostos e olfactos. O "puré" estava muito bom, a saber a avelã tostada e ao molho, uma espécie de praliné salgado... a galinha, tão macia, tinha um aroma muito suave a hortelã da ribeira e um longínquo doce do porto. As passas de cereja contribuiram para os sabores raros. O doce delas e o gosto do conhaque marcaram uma diferença forte. Salvo algumas técnicas e a matéria-prima já pronta (a massa folhada, que aliás já fiz muitas vezes), tudo o mais é original.

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domingo, novembro 18, 2007

Sopa de cuscuz

Como havia de chamar a esta sopa, que é prato único, se não é canja nem, muito menos, um dos couscous do Magrebe? Há uns dois anos, talvez, que a imaginei, melhor que a fui imaginando até chegar aqui. Por duas razões, penso. Porque gosto bastante de canja de galinha e porque não gosto menos de cuscuz (argelino). Julgo mesmo que foi a preguiça a ditar-me o que é hoje esta sopa. Fazer o cuscuz mobiliza uma série de iniciativas, desde o demolhar o grão de véspera a ir em vão à procura da merguez nesta cidade de onde os mouros se foram, fez este ano 950 anos.

Como duvido que o presidente e os edis deste do burgo o saibam ou venham a sabê-lo a tempo, não haverá festa, nem sequer no Natal, e então vamos à sopa, que é o que está a dar.



O que leva, por pessoa:

Galinha desta - conte, pelo menos, com 150 g, sem osso.
Cuscuz - 80 g
Feijão verde partido à mão, umas 5 vagens
Cenoura média - 1/2
Linguiça a fazer de merguez - um troço

Temperos (têm a ver com a mão de cada um)

Massa de pimentão (*), de modo a notar-se bem (adicione sempre um pouco no final).
Pimenta preta do moinho, a gosto.
Sal - não exagere, até porque tem de contar com o sal da massa de pimentão.
Cravinho da Índia - uns 3 ou 4 por litro de caldo
Dentes de alho sem casca, meios esmagados, 2 ou 3 por litro de caldo (quando meter a cenoura e o feijão verde)
Um ramo de coentros para que fique a saber a eles quase sem se notar (a uns 3 minutos do fim)

Faz-se o caldo com a galinha, que deve ficar tenra, o sal à cautela, como se disse, deixando alguma gordura para dar melhor gosto. Num tacho com testo, põe 1 volume de água por volume do cuscuz, ou, seja, 1 copo de água, por 1 copo igual de cuscuz. Deita um pouco de azeite. Tapa e deixa levantar fervura. Desliga o bico. Adiciona o cuscuz, agita o tacho para ficar plano e cozer por igual. Ao fim de 3 a 5 minutos está pronto. Solte-o com um garfo como se faz para o arroz. Distribua os componentes no prato como na imagem acima e cubra com o caldo.



(*) Uso a massa de pimentão Centazzi, que encontro no Continente, é a mais parecida à caseira, e a caseira, pelo menos a que eu fazia, não era melhor, ainda que na altura gostassem dela. Tem a particularidade, valiosa para a vista, de aparecerem farrapos de pimento vermelho, como na que se fazia dantes: surgem na imagem acima, entre a ponta de baixo da linguiça e o prato, por exemplo. Também é a menos salgada, e muito menos que a caseira. Não faço publicidade remunerada. Indico o que me parece melhor. Se procurar no Google por "Centazzi", verá que é uma empresa portuguesa com sede em Lisboa, isto se tiver dificuldade em arranjar a massa de pimentão que recomendo, depois de ter passado por muitas.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Dois melões, um vinagre, queijo fresco e um mel para uma sobremesa


Feita ainda em tempo quente, isto é, no domingo passado, sobressai pela surpresa da ligação excelente dos melões com o vinagre de framboesa. As bolas são de melão Cantalupe, e os cubos, de melão de Almeirim, servidos bem frios. O vinagre ainda é do feito aqui, mas tenho de fazer mais. Aqueci mel de laranjeira no microondas e passei o queijo por ele, deixando que esfriasse, para então montar a sobremesa. Simples, fresca e agradável.

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quinta-feira, novembro 15, 2007

Um petisco raro - iscas de fígado de leitão


Raro por as iscas de fígado de leitão serem uma delícia e raro por serem difíceis de desencantar. Mas quem persiste, quase sempre alcança. Eu arranjei-as num matadouro de suínos que abate também leitões. Se não quiser dar-se ao trabalho de procurar, tem uma solução relativamente simples. Um dia que passe pela Mealhada, sobe um pouco mais e, antes da Curia, encontra o Restaurante O Painel, do lado esquerdo de quem vai para norte pelo IC2. Além de um bom leitão, tem este prato como especialidade. Foi aí que conheci as iscas e as saboreei várias vezes, até hoje finalmente as fazer.

Não arranjei só estes dois fígados da imagem (a castanha é para verem o seu tamanho). Arranjei uns 3 kg e congelei o resto. Penso fazer outros pratos, dada a delicadeza do sabor deste fígado. Tenho de pensar nisso.
Neste, cortei as iscas com um pouco mais de 5 mm de espessura, onde isso foi possível. As iscas ficam não só mais macias como o seu sabor se aprecia melhor. As mais finas ficaram mais secas e boa parte da delicadeza do sabor desaparecera. Portanto é indispensável seguir esta dica.

Pus uma frigideira ao lume, com azeite bem quente, deixei que o alho esmagado ficasse a fervilhar um pouco no azeite e retirei-o antes que alourasse. Pus as iscas e fritei-as de um lado e de outro o tempo justo até estarem no ponto, coisa breve, talvez uns 3 minutos. Retirei-as para a travessa. Para a próxima vez, porei nas iscas alho laminado com alguma liberalidade e levo fígado e alho, tudo junto, para a frigideira, que é como as fazem. Não usei nenhuma vinha d'alhos porque, naquele restaurante, não só não a usam, como iria adulterar o sabor muito fino deste fígado. Melhor que fígado de leitão só o foie gras. Para meu gosto, claro.

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segunda-feira, novembro 12, 2007

Perdiz de S. Martinho


Esta tinha grãos de chumbo e sabia a bravo, como se costuma dizer. Não fui eu que a matei, matar só mato moscas e mosquitos, não sou capaz de mais, no entanto isto tem as suas coisas. Então se a perdiz é um bicho tão lindo em liberdade e o cabrito ainda mais lindo é no pasto, porque os devoras? Se criaste pombos para comer e não comeste nenhum, eram mais de cem quando os deste, como Pilatos, aos vizinhos, porque comes perdiz até lhe chuchar os ossinhos todos, e nunca mais comeste pombo? E porque comes pombos bravos? Bom, adiante. Se pensarmos muito nestas contradições, ainda nos tornamos vegetarianos, e aí fica pior a emenda que o soneto.

O certo é que esta perdiz teve várias formas na minha cabeça. Primeiro, era para apresentá-la sobre uma fatia de pão de centeio, que comprei para o efeito. E levaria também couve crespa, vêem-se as folhas na imagem do topo. Mas quando pensei que, para estufar a perdiz, ficava bem azeite, chalota picada, noz também picada e porto vintage retinto, desisti disso, e votei-me a esse imaginado molho tão cheio de promessas sérias.

Atei as pernas e as asas da perdiz e deixei-a dourar só em azeite, andando às voltas com ela no tacho. Isto é um procedimento corrente para qualquer estufado, de perdiz ou não. Falo de estufado e não de guisado. A carne a guisar é posta sobre a cebola puxada na gordura ou entra tudo em cru, isto para que a carne ceda o máximo de sabor ao prato. Nos estufados, procura-se que o sabor fique retido na peça. Digo isto porque há muita gente que não distingue os métodos para cada um dos fins, incluindo autores de publicações de culinária.

Piquei depois 3 chalotas muito miudamente e, a meio de cozerem no azeite, juntei-lhes 2 nozes partidas aos bocadinhos. Deixei puxar sem que o refogado sequer alourasse. Introduzi a perdiz, pus uns goles do tal porto, juntei um ramo de salsa e pimenta preta do moinho. Depois, lembrei-me de que tinha salpicão da ponta do lombo (tem gordura entremeada) e juntei duas rodelas. E assim ficou em lume mínimo, dando-lhe voltas, juntado um golinho de água sempre que preciso e apurando o molho de sal, que estava para o doce. Vali-me ainda de umas cautelosas gotas de vinagre de Xerês, com que no final conseguiria o equilíbrio desejado.

Retirei a perdiz, que reservei, juntei um pouco de água ao molho que se vê na imagem de cima, de modo a poder passá-lo com a varinha trituradora. Levei-o a seguir ao lume para reduzir e ficar com a espessura desejada. Tinha debulhado uma bela romã, frito meia dúzia de castanhas, juntara umas nozes partidas, empratei tudo, e aqui está a perdiz que batptizei de S. Martinho. Demorou 3 horas, a fazer, nem mais nem menos. Apuradíssima, com tudo no seu lugar, foi a melhor perdiz que saboreei nos últimos anos e também o melhor dos modos com que as faço. Uma delícia.

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domingo, novembro 11, 2007

Bife com queijo parmesão, envolvido em massa areada


Poderão dizer que sou um bifó-dependente. É que os bifes aqui postos, em palavras e imagens, já chegavam e sobravam para um livro de receitas, quanto mais para um blogue de culinária e gastronomia que não se quer mais que isso mesmo: um blogue. Aprecio, sem dúvida, bons bifes, tanto quanto aprecio batatas cozidas saborosas, regadas com azeite excelente. Poderiam, com alegria, servir-me de prato único, e digo mais: com uns jaquinzinhos fritos frescos, mandava o bife excelente dar uma volta ou, com mais sabedoria, guardava-o para segundo prato...

No reconhecimento da qualidade das matérias-primas, em q.b. de paixão, em experiência colhida de outros, de mesas alheias e de casa dos pais e avós, de livros, de mundo e agora também de blogues, nisto é que se baseia a qualidade do que fazemos, qualquer que seja o ranking da "nobreza" das comidas, que para mim se tem revelado falso. Porque se digo que o foie gras demi-cuit é a minha iguaria preferida, estou a esquecer-me de mil e uma preciosidades, modestas ou não, que o mundo tem e que, não poucas vezes, me apetecem mais. Portanto, para mim, rankings dependem do momento e de algo tão caprichoso como o apetite.

Queria acabar aqui o circunlóquio, mas reparo agora, numa releitura do que escrevi, que o vício continua por mais um parágrafo.

Comi um bife parecido com este no Restaurante Otzarreta, em Zarautz, no País Basco do lado ibérico. A massa era diferente, e a carne, de filet mignon. Diriam os espanhóis que me trato a merluza y solomillo. No entanto, se gosto muito da pescada grande da Galiza, já o solomillo, ou seja, o filet mignon, o lombinho como lhe chamam nos talhos daqui, passa-me ao lado, a maior parte das vezes, por ser pouco saboroso. Escolhi pois, no Pingo Doce, que é de todas as grandes superfícies a que tem melhor carne de bovino (Jerónimo Martins devia pagar-me a publicidade), escolhi, dizia, um bife da vazia, que mandei cortar alto, com 2,5 cm de espessura, uma carne que viria a mostrar-se tenra, sápida e a... 8.67 € o quilo. O lombo custa mais do dobro e não o quereria, mesmo que fosse mais barato do que a vazia. E se trouxe vazia, foi porque o acém, ainda mais barato e com mais sabor, não estava a meu gosto, com a indispensável rede de fios de gordura, como neste bife se nota (ver na imagem de topo). O acém que me mostraram era de outro animal de certeza, tanto que naquela rede de supermercados recebem a carne já em peças definidas.

Pronto. Vamos então às lides.

Numa sertã, pus um pouco de azeite, levei-a ao lume e limpei-a, não excessivamente, com papel de cozinha. Deixei-a aquecer muito bem, atá quase não aguentar a mão a uns 10 cm do fundo da sertã. O objectivo do azeite e do calor foi selar a carne o mais rápido possível numa e noutra face, e também nos lados, uma vez que eu queria o bife mal passado, e ainda teria que ir ao forno. Uma vez conseguido o tostado indispensável à saída dos sucos e também, curiosamente, constituindo uma barreira retardadora da penetração do calor depois no forno, temperei o bife com flor de sal e pimenta preta do moinho e reservei-o até estar completamente frio, mais uma vez com o objectivo de conseguir a carne mal passada no final da confecção.

Quando completamente frio - tinham decorrido mais de 2 horas -, enxuguei-o com papel de cozinha e envolvi-o bem em queijo parmesão ralado, como se o quisesse panar.

Desdobrei a massa areada, comprada num hiper, tirei as medidas ao bife e cortei-lhe a vestimenta. Embrulhei a carne na massa, tendo três cuidados:

- Sobrepor a massa o mínimo possível.
- Humedecer os bordos com água, para ficarem colados depois de uma pressão com os dedos.
- Fazer 9 orifícios que as tiras na imagem à direita apenas esconderiam, já que foram coladas com água num ponto apenas, em todos os espaços entre os orifícios que as tiras cobrem. Os orifícios foram feitos para o vapor sair sem fender a massa.

Pré-aqueci o forno a 180 ºC . Pincelei a massa com gema de ovo diluída com um pouco de água, e levei o bife assim embrulhado ao forno, num tabuleiro com um tapete de silicone, até a massa ganhar cor (18 minutos no meu caso).

Enquanto isto se passava, fiz uma base de molho de carne. Depois de composto, serve para molhos de bifes, para gelatinar peças, para substituir o em geral pouco menos que detestável molho das francezinhas, etc. No caso presente, serviu para temperar os vegetais de acompanhamento. Cortei umas tiras de carne de limpa de novilho, sem gordura, e levei-as a grelhar numa frigideira sem mais nada. Quando vi as tiras tostadas mas não queimadas, juntei-lhes água e deixei ferver, para que retirasse a cor e o sabor da carne grelhada. Deixei reduzir e temperei de sal. Reservei o molho.

Para os vegetais de acompanhamento, usei uma mistura pré-lavada para sopas, que vem em bolsas de atmosfera neutra. Esta trazia repolho, nabo, cenoura, alho francês. Adicionei-lhe aipo. Pus azeite numa sertã - ainda não tenho wok! - e fui volteando sempre os vegetais em lume no máximo. Demora algum tempo, mas dá um gozo distraído andar a mexê-los de um lado para o outro, a saber que irão ficar bem, porque é um método que nunca falha e podemos pensar em outras coisas. Ou seja, levar estes vegetais até um ponto de cozedura um pouco além do que os chineses usam é muito diferente, em exigência, das operações todas a que este bife obrigou.


Todavia, o ponto de cocção chega, e o cérebro volta à realidade do fogão, do lume, da comida, que tempos exactos gravados na memória exigem. Está na hora de juntar um gole de molho de bife, passar de novo os vegetais pelo bico, juntar ainda mais outro gole de molho, porque um só não se mostrara suficiente, adicionar 4 (quatro) gotas de molho inglês, dar mais uma volta, corrigir de sal e reservar.



Estava na hora de retirar o bife do forno. O silicone não serve só para cirurgia estética, é ainda melhor na cozinha. Poupa-nos, pelo menos, a chatice de barrar formas e tabuleiros. A pressa de jantar era já alguma. Empratei o bife, abri-o e veja-se como a carne se manteve no ponto:


Estava tenra, a massa era uma delícia de brandura, por vezes estaladiça, e tudo tinha o sabor equilibrado do parmesão com a carne. Os vegetais assim feitos revelaram-se, mais uma vez, um acompanhamento muito bom.

Vá por mim, tenha alguma paciência e deite mãos à obra.

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