quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Escolhas

Hoje uma das cozinhas que mais me atrai é a cozinha criativa, uma evolução da nouvelle cuisine que veio, nos anos 70, contestar os conceitos da haute cuisine francesa em que reina o peso de molhos e complicações muito elaboradas, que não poucas vezes transformam, quando não ocultam, o que se está a comer. Claro que gosto desta cozinha, não já para a fazer, embora ainda tenha no activo receitas dela.

A nova cozinha realça a matéria-prima, sempre de grande qualidade e pouco elaborada, aligeira os pratos, e em vez de jogar barrocamente com o peso das complicações, joga com a ligação de sabores simples, de texturas, de cores e formas, de cujo exemplo deixo a seguir uma das minhas mais extraordinárias experiências gastronómicas.

No restaurante de Juan Maria Arzak, o mais antigo dos três grandes restaurantes de Espanha, com o Can Fabes e o El Buli, saboreava eu um menu de celestial degustação, quando me vêm com três cubos de cordeiro do tipo francês, grelhados no seu exactíssimo ponto, que é o da carne rosada, como sabemos. Acompanhava-o um esparregado de feijão verde com pistácios ralados.

Levei um pouco de borrego à boca e, ao dar-me conta do seu sabor, espantado com a vulgaridade, perguntei aos meus botões “Que raio de coisa é esta?”, tão mais eu gostava do nosso borrego, que também é o comum em Espanha. Aquilo só tinha sal. A carne era de primeira no seu género, ali só poderia sê-lo. Calha é que sempre fui meio indiferente a borrego de raças para carne, francesas e inglesas, pesados e grandes, animais cujo sabor se situa entre o do cordeiro ibérico e o do novilho. Como diria Jô Soares, esses borregos são cordinovilhos.
Mal acabei de comer o pedaço de carne, provei um pouco daquele esparregado verde-claro. Indiscritível! O sabor do esparregado fez elevar o sabor remanescente do cordeiro a alturas orgásmicas, perdoe-se-me a origem e o excesso do neologismo.

Claro que já andei pela cozinha francesa, receitas da tradicional e da haute, fiz coisas delas com os livros abertos, e ainda faço algo às vezes, como disse, o peru de Natal é um exemplo neste blogue, para não falar em restaurantes, gauleses e não só, não vá eu parecer pedante (coisa bastante parva).

Mas também fiz e faço pratos de outras cozinhas, com relevo para a espanhola, e pratos avulso que conheço de livros de receitas e de restaurantes do mundo.

Mas, sobre todas estas, está a nossa cozinha regional, tão variada e rica, pela qual conservo um interesse semelhante ao da cozinha criativa, por vezes mesmo tentando desconstruí-la, ao querer modernizar amadoramente a tradição.

Há também a cozinha de família, a maior parte das vezes simples nos seus temperos e que tanto me agrada, presente em muitos dos blogues na coluna à direita, a cozinha de todos os dias, que nunca cansa e a dos dias de festa, em geral em datas religiosas.

Enfim, quero com isto dizer que me tornei bastante parcimonioso em complicações de gostos, especiarias e temperos, depois de ter sido pródigo neles. Nunca esqueço, todavia, que as tripas à moda do Porto exigem cominhos, que no frango de churrasco vai bem o piriri, etc.

As misturas de ervas, especiarias e o que mais calhar é que já não são comigo, com excepção de pratos que confecciono às vezes das cozinhas indianas e dos países de expressão portuguesa, de que gosto muito, e ainda de alguma árabe, para não falar de outras só provadas em restaurantes e que nunca fiz.
As ligações entre os componentes dos pratos e sobremesas são para mim uma evolução pessoal do gosto, uma forma superior de tempero e degustação, sem descartar obviamente os condimentos com lugar estrito nesse jogo. Ando a pensar num puré de batata como parte de uma composição de sabor a Sul. Que leva o puré? Batatas, poejos (e arranjá-los?), leite, um nada de pimenta preta, sal, manteiga ou banha. Precisará de mais alguma coisa? Estou quase certo de que não.

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2 Comments:

At 15/2/07 10:22, Blogger Paula said...

Dá gosto lê-lo. É por isso que venho cá tantas vezes!

Os poejos, o melhor será cultivá-los num canto do jardim, dão-se lindamente, e como pelas serras raramente se encontram, fica com o problema resolvido, como eu.

 
At 16/2/07 12:52, Anonymous Anónimo said...

Tem sempre as portas abertas, Paula, e deixa-me alegre que goste de me ler.

Quanto a sementes de poejo, o pior é arranjá-las. Haverá à venda?

 

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