Um teste de regresso
Ontem fiz um chek up ao aparelho digestivo com um jantar algo violento. Ou estava em ordem ou não estava. Nem buliu. Só não bebi vinho. O andaço foi-se de vez, de resto os incómodos duraram apenas dois dias.
À tarde andei pelo Continente a ver se me suscitava ideias, a não ser a que me oprime quando lá vou no sábado à tarde. O sentimento de que o Inferno é esta imagem de humanidade a passear entre prateleiras, aos magotes, sem espaço.
Trouxe de lá umas febras de lombo do cachaço, uma moira (esplêndida) da Beira Lamego, um quarto de broa da padaria do Museu do Pão, em Seia, quatro pêras Rocha, duas das quais podres sem se ver nada por fora, outra a que caiu o pé, restando-me portanto só uma para fazer a sobremesa que tinha imaginado.
Temperei as febras, esfregando-as com alho esmagado e uma pisca de sal (pouco). Cozi um troço da moira em água. Numa sertã, pus banha feita por mim com toucinho de porco preto e fritei nela, por prato, uma fatia de broa sem côdea, com 1 cm de espessura, até tostar. Noutra sertã, as febras fritavam também em banha, o lume médio, depois de sacudidas do alho. As fatias de broa douraram depressa. Guardei-as no forno que aquecera e desligara. Limpei a frigideira com papel, pus banha nova e fritei rodelas de maçã aos quartos, temperadas com sal fino e pimenta preta do moinho. As febras tinham acabado de fritar, também estavam douradas, e misturei-lhes massa de pimentão, dei-lhes uma volta muito breve ao lume e montei o prato, pondo na base a maçá, a seguir um troço de moira aberto, a seguir mais maçã, e encostei as febras e a broa. Polvilhei o prato com um pouco de pimentão.
Um dia destes faço um mil-folhas com maçã frita às rodelas, alternando recheio de moira, picado de carne de porco temperado como para as chouriças e morcela.
Para a sobremesa, cozi a pêra sobrevivente em vinho tinto carregado de cor, a que juntei 20% do seu volume em peso de açúcar. Claro que a descascara antes e lhe acertara a base para ficar plana e assentar bem.
Pus duas tangerinas verdadeiras no copo de batidos e desfi-las. Espremi o sumo de mais três, a que juntei açúcar a olho, e levei-o ao microondas para ganhar ponto já cerca do ponto de pérola. Temperei-o nem meia colher de chá das tangerinas desfeitas para que tivesse mais sabor ao fruto, mas sem o xarope ficar amargo. Entretanto já retirara a pêra do vinho para um prato e reduzira um cálice de porto (Dona Antónia). Tudo arrefecido, derreti um pouco de chocolate branco em banho-maria.
E comecei a montar a sobremesa: encimei a pêra com chocolate branco derretido. No prato de serviço pus o porto reduzido e no centro deste, deitei o xarope de tangerina. Em cima coloquei a pêra.
O chocolate, da Nestlé, não prestava, tinha pouca manteiga de cacau e por isso não ficou líquido como acontece nos chocolates profissionais de cobertura para bombons, etc. Queria uma fina camada de chocolate (como a dos gelados) e tive de fazer aquela escultura... Para a próxima junto-lhe manteiga de vaca sem sal. O problema foi que tive de comer o chocolate separadamente e poderia ter comido pêra e chocolate juntos. Também, quando fizer de novo esta sobremesa, porei só xarope de sumo de tangerina, dispensando a redução de porto. A ligação da pêra com o xarope de tangerina e com o sabor do chocolate é que dá um toque especialíssimo a esta sobremesa, às pêras bêbedas que todos conhecemos. A redução de porto estava a mais, embora tivesse deixado o prato mais bonito.
Etiquetas: Criações - Carne
6 Comments:
Essa sobremesa deve ser excelente.
E a moira de Lamego tb costuma ser muitoooooooooooooo boaaaaaaaaaaaaaaaaa... pelo menos as que uma tia minha faz são... riso
O fim-de-semana das pêras. :))
Chocolate branco e xarope de tangerina parece-me uma boa sugestão de acompanhamento. Hei-de experimentar numa próxima vez (a receita do Trem Bom é que me deixou curioso, com a escolha de temperos!...)
Que bela refeição de rentrée!
No Continente costuma haver chocolate culinário branco .
A moira é mesmo muito boa, Goretti: encontra-a no Continente. Se lhe restou algum vinho daquele de ontem, pode ser que hoje ligue bem com ela :)
Chef Spadanini, o seu comentário originou o post de ontem, que não foi mais do que uma reflexão num guardanapo sem fim. É que agora cozo as pêras só em vinho muito tinto e açúcar, com que as acho melhores do que quando as temperava com canela, noz moscada, às vezes cravinho. Quer dizer, substituí essas especiarias quer pelo chocolate e xarope de tangerina, quer pela simplicidade do sabor agridoce do fruto e do vinho. É muito mais (no meu caso) uma questão de evolução na cozinha, do que apenas de gosto.
Chalabi Red, seja bem vindo aos comentários deste blogue. Pode crer que foi motivo de alegria. Afinal nem se cozinha para se comer sozinho, nem se escreve para não ser lido :)
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