domingo, janeiro 21, 2007

Ontem ao jantar


Entretenho-me às vezes na cozinha. E o que ponho aqui é fruto de um passatempo com que, também às vezes, me abstraio da realidade do mundo. É o que a cozinha tem de bom. Levar-nos para além da consciência do nosso tempo e das nossasa circunstâncias, e enganá-la depois com uma sensualidade tão próxima do amor, pese aos ultra-românticos. Do amor pós juventude. Que, na juventude, é uma urgência luminosa e sempre instante, estado que, em gastronomia, equivaleria a uma fome sem limite de coisas boas.

Desculpem-me a mania dos intróitos. Vamos ao nome de baptismo deste prato que vinha a imaginar há dias e que foi ontem o meu jantar. Bacalhau aberto no forno, sobre pão integral de Seia, com pétalas fritas de cenoura e amêijoas à Bulhão Pato. Escrevo estes títulos compridos, não por pedantice, a pedantice é oca, parva e quantas vezes ignorante, mas por necessidade de descrever o prato, de se saber o que se vai comer. Quando abrimos uma ementa com pratos deste tipo, a intenção da descrição é, ou julgo ser essa, saber o que escolhemos.

Chamo a atenção para as amêijoas à Bulhão Pato. Aqui são apenas uma desconstrução, uma desmontagem. A ver com a receita, de que gosto bastante, é só parte do que se aplicou no prato, os alhos, o azeite, os coentros. É um bacalhau muito simples.

Fritei, num tacho com o azeite que tenho, o mais que extra virgem, um dente de alho laminado até tostar um pouco. Retirei-o e reservei. Pus então as amêijoas, umas belas amêijoas pretas do Algarve, meia dúzia por prato. As restantes, guardei-as para o dia seguinte. Farei com elas uma sopa de truz. Mal as 12 amêijoas abriram, retirei-as das conchas com cuidado para saírem inteiras e reservei-as também.

Levei ao forno, a 160ºC durante 20 minutos, numa pequena assadeira, duas postas de lombo limpas, com o molho das amêijoas, mais um pouco de azeite e pimenta preta., não para as assar como é costume, só para lhes abrir as lascas.

Já então tinha cortado rodelas de cenoura tão finas como batatas à inglesa e as fritara. Nunca as fizera, li algures sobre elas no Chef Simon, e imaginei que casariam bem com o conjunto, como na verdade veio a suceder. Chamei-lhes pétalas porque assim me pareceram no aspecto e eram um nada doces e aromáticas na boca.

Fritei em azeite, do tamanho das postas de bacalhau, duas fatias de pão integral - divino! -, da padaria do Museu do Pão, em Seia (que comprei no Continente deste burgo).

Finalmente fritei um pequeno molho de coentros, é só um ai para ficarem verdes e crocantes, e comecei a montar os pratos. Primeiro, a fatia de pão, sobre ela a posta de bacalhau, um montinho de cenoura frita, as amêijoas, um pouco dos coentros que fritei, os alhos laminados, e finalmente o molho do bacalhau posto só no prato, sem ser sobre nada.

Ganhará se comer, ao mesmo tempo, um pouco de quase todo este conjunto (bacalhau, pão, cenouras e coentros), e depois, isoladamente, uma amêijoa com o alho frito. E pronto. Se um dia fizer este bacalhau não só espanta a sua mesa, como garanto que se consola.

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1 Comments:

At 26/1/07 19:16, Blogger João Barbosa said...

um dia destes abanco-me aqui e só saio quando me tiverem servido uma coisinha destas!

 

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