Bolo de Azeite
Diz-se bolo de azeite, mas não leva açúcar. Talvez o tenham baptizado assim para o diferenciarem do pão diário, porque é mais rico e também para melhor o honrarem. Fazia-se e faz-se ainda hoje pela Páscoa nos lugares perdidos da Beira Interior e suas esbatidas fronteiras.
Os ovos e o azeite, que o distinguem do outro pão, eram preciosos no tempo da antiga penúria. Uma penúria diferente da de hoje. Hoje, muito maioritáriamente, é preciso dinheiro para a farinha, para os ovos, para o azeite e para tudo. Dantes, em boa parte das famílias rurais, havia, além do resto, este pão rico para festejar a ressurreição de Jesus de Nazaré, a sua deificação, afinal.
Como observou uma pessoa amiga, hoje a penúria é total quando penúria. No alcatrão urbano não crescem searas nem oliveiras nem há galinhas a vadiar, nem a solidariedade que havia no meio rural e que pontualmente acudia à miséria. Nos lugares urbanos que acolheram a imigração dos campos deixados a monte, é preciso dinheiro também para este bolo, que se vende industrializado todo o ano, cuja qualidade nada tem a ver com a deste.
Fiz o bolo de azeite no domingo passado, com 1/2 Kg de farinha de trigo, primeiro ainda que a Paula do Rap'ó Tacho, que pediu a receita no seu blogue e eu fui lá escrever-lhe esta, depois de a ter procurado nas origens.
Deu-ma na altura a dona de uma casa farta algures, numa aldeia beirã, já quase a confinar com o Alto Douro. Só que para 10 kg de farinha...
Fiz o isco com farinha e 20 g de fermento e água mais que tépida, de modo a ficar um pouco mais mole que a massa de pão. Deixei levedar para o dobro (levedou mais).
Adicionei 1/2 kg de farinha de trigo tipo 55 e sal, e fui juntando 5 ovos médios, enquanto amassava. Depois, como achei a massa ainda dura, juntei um pouco menos de 0,5 dl de leite tépido, e continuei na faina até a massa se me descolar dos dedos. O meu robot de cozinha avariou (a que a tigela inox das imagens pertencia) , e agora tenho de esperar onze meses pelo Natal, pode ser que o Menino Jesus me traga um novo.
Foi então que juntei 100 ml de azeite, o azeite de Vila Nova de Foz Côa que uso para tudo e de que falo aqui repetidamente, tem 0,3º de acidez e é muito frutado, sabe muito a azeitona, o que é de grande vantagem para este caso. Tornei a amassar até incorporar bem o azeite.
Coloquei então a massa no tabuleiro de ir ao forno, sobre uma placa de silicone e deixei-a levedar.
Levedada, tornei a amassá-la e tentei dar-lhe o formato do bolo que se vê nas padarias e pastelarias, que é mais ou menos o que se vê no Rap'ó Tacho. Em vão. Ainda enfarinhei a massa, mas nada. O certo é que os bolos de azeite, que tenho visto e saboreado quando feitos por gente que guarda essa tradição, não têm tal formato, são redondos como pães grandes. Isto não perdoa a minha azelhice, perdoa, isso, sim, eu não ser padeiro, embora gostasse bastante de fazer pães e pãezinhos quando tinha a minha saudosa auxiliar, avó desta.
Deixei levedar de novo o bolo para o dobro do tamanho e levei-o ao forno pré-aquecido a 180ºC. Às tantas, a parte de cima começou a descolar da de baixo, deixando entre ambas umas perigosas tiras de massa... Apressei-me a cortar com uma faca, em plena cozedura, essa espécie de cordões umbilicais. Quando o bolo ficou lourinho, retirei-o, dando-o como pronto. Afinal estava bonito. No entanto, passado talvez meio minuto, lembrei-me de lhe espetar o palito da praxe. Ainda não estava bem cozido... Voltou ao forno para acabar de cozer.
Agitada história, a deste bolo de azeite, rio-me. Mas estava bastante bom, como aqueles caseiros que vou provando quando tenho sorte, a massa igual, mas diversa da dos bolos de azeite industriais, que é muito mais próxima da dos papos-secos, leva corante e o azeite é racionado como em tempo de guerra.
Desta mesma receita, descobri-o depois de a fazer, deriva o Bolo Podre, da Beira Alta, juntando açúcar a gosto e canela.
Etiquetas: De outros - bolas e pães
10 Comments:
Perco-me por bolo de Azeite. O meu avó de origem e tradição beirã, ainda vai à terrinha de duas em duas semanas...e isso vale-me quase sempre, para além de uns requeijões, quando é tempo deles, um bom bocado de bolo de azeite, que a prima sei lá em que grau ainda faz e amassa e coze no forno de lenha!
A ver se me aventuro a fazer eu agora a tentar fazê-lo!
É bom conservar as tradições da cozinha, senão, daqui a nada, estamos todos a comer o mesmo, Colher de Pau. É um fartar de risotos, pastas, vinagres balsâmicos, pizas, hambúrgueres, batatas fritas com ketchup, os itálicos e os saxões invadem as nossas mesas, e não damos por isso se não estivermos atentos ao fenómeno da globalização em que nos querem mergulhados até à ponta dos cabelos.
Ficou soberbo! Trocava algumas das minhas broas de canela para provar uma fatia deste... Parabéns! Hoje faço o meu.
Espero que experimente tb a receita que deixei no blogue Rap'ó Tacho pois seria óptimo saber se a receita da minha avó se assemelha ao bolo de azeite de que têm falado. Sinceramente, ainda não experimentei, até porque como sou eu q faço o meu próprio pão seria já um bocadito de trabalho a mais. É a preguiça de cozinhar para uma só pessoa.
Eu gosto muito.Na minha terra faz-se pela Páscoa...
tenho uma caga ideia de ter provado deste no Alentejo... estarei errado na referência?
Saudações
Será que dá para fazer na máquina do pão
Ohhhhhhhhhhh, obrigada por este 'post', esta receita com as fotos das fases todas!
Sou de Viseu (já não vivo lá há um ror de anos..) e adoro este bolo de azeite! Uma amiga trouxe-me um no ano passado, de uma padaria, mas não tinha nada a ver com a memória do meu sabor..
Este ano vou experimentar ..
Abraço
É um bolo magnífico! Comia-o, ou antes devorava-o, sempre que ele chegava por esta altura de Tortozendo, terra natal do meu sogro... Já lá vão tantos anos... Que saudade... Um dia vou experimentar fazê-lo! Bem-haja por esta feliz recordação .
Estou a ler a receita em 2022. Obrigada ��
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