domingo, janeiro 21, 2007

Uma sobremesa a que, por agora, não dou nome, já basta o despautério deste blogue e meu de andar a pôr aqui coisas destas.

Estava para fazer esta sobremesa com queijo parmesão. Deu-me a teimosia de que tinha que entrar massa brick nela. O parmesão não entrou porque era um queijo delicado de mais para um chocolate negro tão forte. A massa brick, que fora comprar de propósito, não fez parte porque, simplesmente, não vi nem lugar nem justificação para ela. Isto vem a propósito das vicissitudes de imaginar coisas que depois se têm de mudar na hora. Uma sobremesa trabalhosa e hipercalórica, e de ligações fortes em decrescendo, para se terminar na suavidade fresca da mousse de framboesas. Própria para um jantar de arromba, pois se já se está arrombado, arrombado mais um pouco não faz mal nenhum, apetece-me pôr aqui um smile.

Para a gravilha de chocolate: derreti numa tigela esmaltada, sobre um tacho com água, em lume mínimo, sem tocar na água, 50 g de manteiga sem sal e, nesta, depois de derretida, 90 gr de chocolate negro de cobertura bastante amargo, com 70% de cacau, partido miudamente.

Quando se derreteram ambos os elementos ( não é preciso que a cobertura se derreta completamente), misturei tudo e obtive uma pasta lisa.

Adicionei pimenta preta do moinho à mistura, para tornar ainda mais potente o chocolate e mais forte a ligação com o queijo que escolhi: o Roquefort.

Já tinha imaginado uma mousse de framboesa muito fresca para suavizar, quer pela leveza, quer pela acidez, primeiro a potência do chocolate, depois a ligação com o Roquefort em que ainda não pensara (e que é perfeita, na minha opinião). Para a mousse, usei 100 gr de framboesas congeladas, que deixei descongelar naturalmente. Depois desfiz os frutos com a varinha e separei a polpa e o sumo das grainhas com um coador, ajudado por uma colher. No lado direito da imagem acima, já se vê chocolate pronto para quebrar em pequenos pedaços e assim obter a gravilha. Praticamente duro, obtive tiras enrugadas ao fazê-las com a ajuda de uma simples colher de pau, abrindo estradas no fundo da tigela.

Obtida a polpa e o sumo, livres de grainhas, era altura de fazer a mousse. Pus de molho em água fria1 folha de gelatina incolor, durante cinco minutos. Aqueci o puré de framboesas no microondas, mas não excessivamente, isto é, sem levantar fervura, de modo que um dedo aguentasse bem a temperatura. Misturei a gelatina escorrida, que derreteu na perfeição. Deixei arrefecer até querer começar a prender. Entretanto, tinha batido uma clara de ovo em castelo firme, adicionando depois duas colheres de sopa de açúcar e continuando a bater, obtendo assim um merengue forte. Desse merengue retirei duas boas colheres de sopa, que misturei lentamente ao puré de framboesa na altura dita acima. Com movimentos de baixo para cima, lentos e circulando com a tigela, misturei o puré e o merengue sem rebentar as bolhas de ar, que é o que origina a mousse (a boa mousse). Foi para o frigorífico até o dia seguinte, ou seja, hoje.

O cálice acima é do cherry que fiz há sete meses com cerejas negras e whisky de malte, que já está óptimo. Fiz uma redução com ele. Pu-lo ao lume, numa pequena vasilha, até atingir um terço do volume inicial e deixei-o arrefecer. Tirei do frasco três cerejas (estão bem rijas e impregnadas de licor). Parti o chocolate em pequenos pedaços rugosos e irregulares e o queijo Roquefort do mesmo modo. Era altura de empratar. Primeiro o queijo e o chocolate. Depois a mousse, que estava perfeita e bem fria. Com a ajuda de duas colheres, como os bolinhos de bacalhau, coloquei duas colheradas de mousse no prato. Espalhei um pouco da redução de cherry e coloquei as cerejas.

Também aqui, à semelhança do prato abaixo, há uma ordem de se comer esta sobremesa. Primeiro um pouco de chocolate, depois uma pedacito de queijo embebebido no xarope doce da redução de cherry, o que amortece a força do contraste, e repete-se, às tantas uma cereja que aporta o álcool do licor. A ligação do licor das cerejas com o chocolate e com o queijo é óptima e também como que os suaviza. Só depois de o chocolate e de o queijo acabarem e da última cereja, é que encetamos a mousse de framboesa, bendizendo a sua frescura e leveza e a suavidade do seu aroma. Um final condigno para uma sobremesa destas, que pedia a seguir um bom café, uma boa aguardente e um Romeo y Julieta, e depois um maple para se sonhar com as bendições da vida, longe das agruras do mundo, distância que Morfeu, o deus do sono, nos permite.

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5 Comments:

At 22/1/07 00:56, Blogger Chef Janvier said...

Safa! 7 meses para preparar a sobremesa, contando desde a preparação do cherry. Parece-me divinal, mas sou demasiado preguiçoso para tanto...

 
At 23/1/07 17:46, Blogger Elvira said...

Tanto requinte! :-)

 
At 25/1/07 21:33, Blogger avental said...

Damelum, creia que Morfeu é bom para todos, menos para os insones :)

Faça como eu fiz ao princípio e foi se quis comer um pouco mais além do que o costume: pegue num livro de receitas e enfrente os tachos. Depois já não larga mais o vício. Mas cá entre nós, não me leve a sério. Seria um dos mais safados conselhos que um homem poderia dar a outro :)


Um abraço

 
At 25/1/07 21:36, Blogger avental said...

Ri-me com essa dos sete meses, Chef Janvier, era preciso ter um espírito "extremamentissimamente" miudinho :))

 
At 25/1/07 21:37, Blogger avental said...

Elvira, às vezes com o tédio dos domingos dá-me para coisas destas :)

 

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