Quer vir ao meu restaurante?
Este título faz-me lembrar a infância, quando eu brincava, não às casinhas, com panelas e fogões de fingir, isso era coisa de meninas. Em rapazito, como é vulgar nos miúdos, era ferozmente cioso do meu género masculino e ainda não gostava de misturas. Fazia as minhas próprias fisgas, andava com elas a caçar pássaros e, aos oito anos, namorava uma vizinha que não gostava de mim, ou seja, eu é que dizia que namorava com ela. Mas talhava veleiros de casca de pinheiro, sulcava o mar nas grandes poças de água e, o céu, com os pombos-correios do pombal que eu mesmo erguera com tábuas, caibros, pregos e martelo, já perto da adolescência. Cedo me ia nascendo a vontade de mundo e o desejo de liberdade.
Talvez por isso, não tenha querido nem queira votar-me a um restaurante. Mas que não seja por isso: entre no jogo da minha proposta em título e faça de conta que o seu jantar de hoje vai ser igual ao meu de ontem:
Chocos grelhados, com azeite de coentros e esparguete com tinta, salteado em alho, e tomate frito
Como vem sendo meu costume, tinha há meses o esparguete que comprara no Clube do Gourmet do Corte Inglês, já para o prato em questão, imaginado só no seu principal conjunto, os chocos e o esparguete de tinta destes octópodes. O mais veio-me à ideia no momento.
Cozi o esparguete al dente, escorri-o e salteei-o em azeite com um grande dente de alho, ligeiramente esmagado e partido em dois, para não ficarem partes brancas na massa. Reservei. Entretanto, tinha temperado de sal e sumo de limão e posto os chocos no grelhador do forno, a temperatura no máximo, a porta do forno meia aberta. Quem tiver paciência que os grelhe no carvão, já que as lareiras ainda não se acenderam. Ficam melhor de sabor, ainda que os meus estivessem bem. Fritara ainda tomate em rodelas, mais para adereço, temperadas só com sal. Picara alho e coentros, muito miudamente, os coentros em quantidade, e pus tudo numa malga com azeite q.b. No momento de montar os pratos, levei esta mistura ao microondas e mal deixei que fervesse. Temperei os chocos com esse molho e fiz um risco com ele, ajudado por uma colher de sopa.
Na imagem abaixo, vê-se um pouco da parte verde de um alho francês, cortado em juliana. Fritei-o com o objectivo de conseguir um adereço crocante. Mas, depois de frito, rejeitei-o, estava estaladiço, sim, mas nem a cor nem o sabor ligavam com o conjunto.
É este o gozo de fazer pratos por conta própria. Imaginamos o principal, e o resto vamos buscando o que fica melhor. Um pouco como na Arte.
Etiquetas: Criações - marisco e afins
15 Comments:
É Arte sim, sr.! Uma conjugação saborosa e original, com uma apresentação magnífica.
Ma-ra-vi-lho-so!!
Em sabor, cor e forma.
Parabéns.
Magnífico restaurante.
«Pois é sr Avental. Hoje apetece-me um bitoque». É isto que acontece muitas vezes nos restaurantes. Depois de apresentar um prato capaz de levar um ateu ao céu
Lindo! O sabor deve ser mesmo perfeito! Posso ir ao seu restaurante? :o)
Eu aceito o convite. Com uma refeição destas que recusará o repto?
Pipoka, há quem diga que a cozinha contemporanêa é Arte, mas tenho para mim que essa cozinha não pode sair da esfera do artesanato, embora algumas vezes se aproxime da arte performativa, como o teatro e a sua variante café-concerto. Estou a lembrar-me do famoso prato de marisco realizado por Blumenthal, em que este fornecia ao cliente um Ipod para ouvir sons do mar enquanto comia. Também se aproxima da pintura e da escultura, embora apenas exteriormente. É que a Arte diz respeito à condição humana e gira em seu redor, enquanto este tipo de cozinha, a meu ver, fica pelo artesanato. Mas percebi o que quis dizer. Depois, foi mais para mim mesmo que escrevi, no sentido de aclarar na minha cabeça a minha própria opinião.
Obrigado, Marizé. Um dia quem sabe não surpreenda um convidado seu com um prato destes.
Caiano Silvestre, quem sabe um dia não mandamos os dois vir comida dele para a saborearmos juntos :)
Migas e Semente de Sésamo:
E agora? Onde vou arranjar eu um restaurante e inspiração para atender a pessoas do "ramo", sem envergonhar este blogue? :))
Quero reservar uma mesa. Ainda tem alguma disponível?
Ai, Goretti, no que eu me meti com aquele título! :))
Mestre Kuka, tinha aqui uma resposta enorme para si, e foi-se :( Falava da minha concordância com o que diz e de como muitos clientes parecem galinhas a comer, comem de tudo, e tecem loas ao mais inttragável dos cabritos!
Fiquei deliciada com estes chocos...
Todos os pormenores foram devidamente tratados. Resultado: um prato de nos fazer sonhar!
Pois... Só mesmo fazendo de conta. Que injusto!
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