Iscas sem elas
Ontem fui a um hiper, vi umas iscas de fígado de vitela e trouxe uma cuvete delas. Vi também uns cogumelos e vim com uns quantos. Estava longe de saber o que faria com aquilo, pensava vagamente noutras coisas, numa sobremesa à base de marmelo assado, geleia sem açúcar que vi por concentrar no frigorífico, gelado, massa brick.
Não fiz nada disso, e já passava das 8 da noite quando me vi obrigado, é o termo, a fazer qualquer coisa daquelas iscas. Foi um avançar a passo, na própria altura. Os cogumelos, primeiro; limpei-os bem com um pano (não os lave, absorvem tanta água como uma esponja, o que lhes leva o sabor). Retirei-lhes o pé e pus sal e uma noz de manteiga em cada um deles. Piquei um tomate com casca, levei-o a dar uma entaladela no lume, mais uma vez com manteiga e só temperado de sal, e coloquei o tomate na cavidade dos cogumelos, levando-os então ao forno. Entretanto uma luz súbita vinda de uma cesta de marmelos, levou-me a calcular que ficariam bastante bem umas fatias de marmelo fritas, em vez da polenta em que pensara e que felizmente não fiz. Clarifiquei um pouco de manteiga, ou seja, retirei-lhe o soro, deixando-a transparente para não queimar. Fritei as fatias de marmelo com casca, sem qualquer tempero, o lume brando, um testo a tapar a frigideira, até ficarem macias. A seguir veio-me a ideia de cebola picada, frita em azeite numa sertã, para pôr em cima das iscas e dar um toque português ao que estava a fazer. Enquanto as iscas, temperadas só com sal, frigiam, no fundo da sertã quase limpo do azeite da cebola, tentei abrir uma garrafa de vinho branco para deglaçar os sucos e não consegui que aquela rolha parasse de rodar à medida que a espiral tentava perfurá-la. Em boa hora. Tinha à mão um pouco de porto vintage esquecido que, por isso, já só servia para a cozinha. Usei-o, dois goles, e as iscas ficaram a fervilhar um pouco e o molho a reduzir. Assados os cogumelos, penso que uns 20 minutos bastaram, retirei-os, pus mais uma pouco de tomate para devolver o brilho que o forno retirara, enfeitei-os com salsa picada e montei o prato.
Digo-vos que o fígado com o porto estava uma delícia, que a cebola frita foi uma surpresa, por realçar o sabor delicado das iscas, que o marmelo frito em manteiga e os cogumelos recheados casaram com as iscas como casaria Romeu com Julieta. Depois de um fim-de-semana a almoçar e a jantar em restaurantes de província, soube bem a leveza delicada e nova deste prato, em que tudo foi imaginado sobre a hora.
Etiquetas: Criações - Carne
19 Comments:
E quando? Quando virás tu cozinhar para mim? Ler isto neste momento é um castigo por ter estado fora tanto tempo e ter chegado a casa para um firgorífico vazio... Falo contigo da próxima vez?
Fantástico!
Bem, para er sincera, figado, nem o cheiro! Mas adorei a dica de não lavar os cogumelos! Não fazia a minima ideia!
É sempre um prazer visitar este blog. Parabéns.
Estou sem palavras! Quêm me dera sentir-me assim inspirada de vez em quando.
Quando era miuda a minha mãe fazia iscas muitas vezes, agora como já não tenho a mãezinha a cozinhar para mim raramente lhe ferro o dente.
Beijocas
deve ter ficado óptimo; realmente os cogumelos e as iscas devem ligar muito bem. bela criação.
Eu, quando for grande, quero cozinhar assim.
Ana Paula, sempre pode telefonar. Quem sabe eu esteja livre, coisa rara :)
Paula, fiquei contente por lhe agradar.
Pois é, Flor de Sal, são esponjinhas autênticas e quando os silvestres são colhidos com chuva até sabem a ela.
Obrigado, Ti Caty. É um prazer tê-la por cá.
O fígado de vitela vê-se pouco à venda, Marizé. Mas quando as apanhar, se não souber fazer as iscas tradicionais - penso que sabe - fico ao seu dispôr.
Aquela mistura de sabores casou-se em harmonia, Cupido, e as iscas ligaram bem com os cogumelos recheados de tomate, mas a ligação mais surpreendente foi o marmelo frito em manteiga, que veio realçar bastante o bom sabor do fígado.
Caiano Silvestre, se está à espera de ser grande vai ver que nunca há-de mexer numa colher de pau :))
:)))
Bem, quando vi as iscas torci logo o nariz... Não consigo comer nada deste género de miudezas: fígado, coração, moelas, dobrada....
Mas lá que está com um excelente aspecto, uma apresentação irrepreensível e uma combinação de sobores e acompanhamente soberba, lá isso está!
Mais uma de se lhe tirar o chapeu!
Mais uma grande criação do Avental. Parabéns!
Colher de Pau, coração também não como, nem miolos, parece que estou a comer a alma dos bichos :)
Foi um desenrascanço, Scalabis, senão não tinha comida para o blogue, que é quase tão exigente como um filho...
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