sexta-feira, março 30, 2007

A culpa não foi do bacalhau à Brás

Este bacalhau à Brás deixou-me bastante arreliado. Não o prato em si, cujo modo de fazer fui buscar a O Livro de Pantagruel, receita n.º 743, pág. 179, volume I, 31.ª edição, mais um livro que deu aos portugueses muitos pratos tornados de família. É um livro de receitas honesto e fiável. Servi-me dele com receio de que o meu modo de confeccionar este bacalhau (a olho) desse bronca e me enchesse de trabalho.


Afinal o trabalho veio à mesma, porque não era o vulgar bacalhau à Brás que eu queria, mas o que saboreei num menu de degustação do Restaurante Casa Cástulo, em Galaroza, uma excelente cozinha criativa num lugar perdido e belo das terras andaluzas da D.O. Jabugo, a 50 km da fronteira de Elvas. Tratava-se de uma montagem em cilindro de bacalhau à Brás (sem salsa), macio e untuoso como é devido, encimado por um ovo na justa medida da face superior, impecável, feito na chapa, cuja gema, uma vez rompida, o tornou muito mais macio e untuoso do que já era, para grande surpresa minha. Foi isso que me propus fazer.

Limite de Galaroza (estudo), Seraphina Mosey, pastel, 1999.

Ora a causa da arrelia foi precisamente o ovo no topo, digamos a grande cereja amarga no cimo do bolo. Qui-lo escalfado, o que faço sempre com todos os quesitos, água quase sem ferver numa sertã, com 10% de vinagre de 6º de acidez, primeiro a clara, depois, com esta já meio coagulada, a gema no centro, exactidão que não pode deixar, neste instante, de me parecer bastante ridícula. Afinal não sou cozinheiro nem redactor de receitas em livro. Não sou nem nunca quis ser. Quem manda ao sapateiro tocar rabecão? Perdi assim dois ovos frescos. Depois tentei o ovo na chapa. Perdi mais dois desses. Nem via que a causa da estragação era querer moldá-los em círculo logo de início, na sertã e depois na chapa, com ajuda da forma que iria moldar o bacalhau. Ainda por cima, já os tinha feito assim redondos para esta sopa falhada, que afinal não repetirei. Acabei por só pôr a gema amornada, conforme se vê na imagem, decorando atabalhoadamente o prato. A súbita dislexia fez-me mesmo perder parte das imagens ao passá-las para o computador, com as quais ilustrava a confecção, como é meu uso.

O bacalhau, estava bom quando o provei do tacho, embora prefira o que faço, tão macio como este e mais saboroso. A diferença está em que estufo o bacalhau na cebola finíssima já cozida no azeite e ponho então o alho picado, além de mexer os ovos à parte, deixando-os cremosos e misturando-os no fim. O Pantagruel manda fritar, em separado, primeiro o alho no azeite, depois a batata palha, a seguir a cebola, e só então o bacalhau, reservando cada um destes elementos, e só no fim os juntando no tacho com os ovos em cru, batidos, o que obviamente o torna menos apurado. Não se tratava, porém, de fazer um bacalhau à Brás, mas sim de repetir o segundo ou terceiro prato daquele excelente menu de degustação. No final já nem me soube a nada.

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6 Comments:

At 30/3/07 18:04, Blogger Paula said...

Acho que já o tinha dito, mas repito: gosto muito da forma como escreve :)

 
At 30/3/07 19:55, Blogger Unknown said...

A Paula tem razão: eu tb gosto da forma como escreve. É aliás uma coisa engraçada:quando o assunto é culinária, os homens têm uma forma de escrever completamente diferente das mulheres!

 
At 31/3/07 19:59, Blogger João Barbosa said...

a forma como escreve até faz engordar. você é uma delícia a escrever. parabéns.

 
At 1/4/07 10:17, Anonymous Anónimo said...

Paula, Goretti, João Barbosa, fico sem jeito, sem saber onde meter as mãos. No entanto, confesso que para mim a nossa Língua é uma paixão e, como escreveu Fernando Pessoa, a minha pátria. Fico feliz por isso. Como costumo dizer, ninguém escreve para não ser lido.

 
At 1/4/07 12:09, Blogger Unknown said...

Aprender, sempre.

(Bom fim-de-semana)

 
At 13/7/08 00:03, Anonymous Anónimo said...

É preciso ter cuidado com estes bacalhaus, com coisas cruas, só se deviam aventurar nestas coisas com suficiente conhecimento dos classicos e da higiene e do método. E já agora não mexam na comida com as mãos. Ob.

 

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