Um bife que era ao contrário
Comi este bife num restaurante que era um templo e que já fechou. Um restaurante onde, ao almoço, se selavam negócios com um conforto largamente burguês. Se os preços eram os mais altos da cidade, a cozinha era a melhor, o que nem sempre sucede.
O bife vinha na ementa como Bife Escondido, pela razão de que era apresentado ao contrário da imagem, o bife por baixo, as batatas (muitas mais), a cebola e o molho por cima. Tendo-o feito sempre como o original, hoje deu-me para o desconstruir um pouco, que Derrida me perdoe. De resto, assim tem muito mais razão de ser, quer pelo molho que escorre para as batatas, quer pela apresentação. É um bife eminentemente português, alto, do lombinho, com tudo a saber a cebola, a carne, as batatas, o molho.
Cortei batatas às rodelas grossas, de tubérculos próprios para fritar (que também dão para puré). Aqueci óleo a 150ºC medidos com o termómetro - estou um tecnocrata... - e deixei cozer as batatas no óleo. Cozidas, reservei-as. Fiz o molho para o bife como aqui explico, mas com vinho branco em vez de porto. Cortei finamente meia cebola às meias luas como ensinou o mestre Kuka. Fritei-a em azeite, até dourar, e temperei-a de sal. Escorri-a para a sertã e reservei-a. Tornei a aquecer o óleo das batatas, desta vez até 190ºC. Devolvi as batatas ao seu fervente destino até ficarem douradas. Entretanto juntei a cebola frita ao molho já feito e aqueci o preparado no microondas. Levei a sertã onde fritara a cebola, com o azeite dela, aqueci-o bem, e aí fritei o bife, pouco mais de um minuto de cada lado, até selar a carne. Retirei-o. Como sou persistente, mas não teimoso (teimosos são os burros), temperei-o com flor de sal que, de novo o afirmo, dá um sabor mais suave a este tipo de pratos, e a outros.
Ontem, domingo, foi o meu almoço, com um tinto do Douro, Quinta da Canameira 2004, 13,5º, muito fechado no nariz, mas com uma excelente boca em aromas retronasais de compota e frutos vermelhos muito maduros, taninos já macios, um bom final e um excelente equilíbrio ente o corpo do vinho e o álcool, que não se sente. Um muito discreto sabor a madeira torna-o mais elegante. Um vinho de Foz Côa, da mesma quinta do azeite de que falo sempre, o mais que extra virgem, que este ano não saiu tão bom, um ano de azeite mais fraco em todo o lado por causa da chuva.
Etiquetas: Recriações - Carnes
5 Comments:
Sugiro experimentar manteiga em vez de azeite da próxima vez que fritar um bife. A diferença no sabor é abismal. Claro que faz "menos bem" :) e por isso é necessário moderação.
Avental,
O link para o molho não funciona e confesso que queria saber como fazer. Parabéns pelo site e pela forma desempoeirada e acessível como explica e ilustra as receitas (que "funcionam", já experimentei várias). Talvez publicá-las em livro e torná-las acessíveis a um público mais vasto? Fica a sugestão.
Um abraço,
ACC
C, não é frequente fazer bifes fritos, prefiro-os grelhados, e aí muitas vezes unto-os depois, já fora da grelha, com uma noz de manteiga. Também frito bifes em manteiga, mas esta apresenta o inconveniente de não aguentar, sem escurecer, a alta temperatura que um bife exige, para o fazer como gosto, bem tostado por fora e bastante mal passado por dentro.
Quanto a este, que é de sabor algo rústico, creio que vai melhor o azeite por causa da cebolada. No tal restaurante estes bifes não sabiam a manteiga.
Obrigado pela atenção.
Obrigado pela sugestão, ACC. Não está nos meus planos um livro de culinária. Do que gosto mesmo é disto, desta interactividade que um livro não pode dar.
O que aqui ponho, se repetido como o escrevo e faço, tem mesmo de funcionar. É que quando comigo não funciona, digo que não funcionou. A minha preocupação em pôr tantas fotos é mesmo querer garantir a fiabilidade do que vou aqui pondo.
Apareça sempre. Gostei de saber que testou coisas daqui. Esse meu contentamento é o que justifica a existência do blogue.
Esquecia-me, ACC: o link já está corrigido.J
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