Um jantar virtual, tradição e sua evolução, refeição #2
Antes de tudo tem de comprar um termómetro para medir a temperatura no interior das carnes, se ainda não o tem. Deve comprar também uma morcela, caso goste das que se vendem na sua região. Se não gosta ou se quer uma morcela de qualidade pode comprar no Modelo ou no Continente a regional da Beira-Lamego (não gosto de publicidade, mas tem de ser). Fixe esta marca porque têm produtos de qualidade. Compre também doce de laranja amarga. O único português que conheço é da Casa Mateus e é bastante bom. Também sugiro para a decoração alhos confitados.
No talho, peça uns dois kg de vão de lombo de porco para 4-5 pessoas. O vão de lombo não é mais do que o lombo com o osso agarrado e com o coirato. Peça do que tenha mais toucinho entre a carne e a pele. No mínimo, 1 cm. Este é um dos factores que vai tornar o lombo mais suculento. Tenha atenção à qualidade da carne. O lombo quanto mais grosso, melhor. Pertenceu a um porco maior e a carne é mais saborosa. No entanto, tem de ter cuidado, pergunte se é de fêmea ou de porco castrado. Se for, tudo bem. Cheire-a. Se tiver um cheiro desagradável, parecido com o da urina, rejeite-o, como de futuro a carne de porco toda que assim cheire. É de um macho inteiro e grande, com mais de 100 kg em vida.
Peça ao talhante para dar um golpe a toda a volta em cada espaço entre as costelas, com a profundidade da espessura do osso. Assim, depois de assado, retirará o lombo facilmente. Peça também para lhe tirar o coirato mais fino possível e para lho partir aos pedaços.
Em casa, faça uma vinha-d’alhos a seu gosto, com vinho bem tinto. Ponha no frigorífico por seis ou mais dias, sempre cobertos. Pode cozê-los depois na sopa de todos os dias, desde que não seja de peixe, isto sou eu a tentar ser irónico. Vão melhor com sopas de feijão. Pelo-me por coiratos assim, e ainda com carolas ou rolões de milho, que não são mais do que milho partido, peneirado da sua farinha. Põem-se uma hora de molho, retiram-se as cascas, que sobrenadam, e vão, com os coiratos, a um tacho a cozerem com água e sal. A meio da cozedura, acrescente-lhe um bocado da vinha-d’alhos e deixe cozer. Se começarem a ficar espessas, adicione mais vinha-d’alhos. A espessura é a de uma massa de brioche, pastosa, mas não de mais Quando cozidas, comem-se assim, sem mais nada, a não ser uma simples salada de alface com uma vinagreta vulgar. É um prato regional da zona onde vivo, próprio para o Inverno, e de que também gosto bastante.
Vamos mas é ao lombo. Com uma faca, faça golpes regulares em toda a superfície do toucinho até à carne, golpes paralelos e à mesma distância entre si. Depois trace golpes semelhantes, formando ângulos mais ou menos de 45º com aqueles, tudo isto de modo a desenhar uma rede de losangos. Esmague dentes de alho sem pena no esmagador ou no almofariz (bem esmagados, com um pouco de sal). Barre o lombo com o alho por todos os lados e meticulosamente, inclusive no osso, e esfregue com mais sal do que utiliza para um estufado, por exemplo. Os assados exigem mais sal. Guarde no frigorífico por dois dias.
Ao terceiro dia (que é o da separação das águas na criação do mundo), ligue o forno a 220ºC e espere que aqueça. Sacuda o alho todo do lombo e, num tabuleiro com um fundo de água, que se vai acrescentando à medida que se evapora, leve-o ao forno durante 20 ou 30 minutos, depois baixe a temperatura para 180ºC. Perto do fim, comece a vigiar a temperatura interior da carne, introduzindo a sonda do termómetro no centro do lombo. Quando marcar 72ºC, está assado. Este é outro factor de obter um assado suculento, o mais importante, com a manutenção de um pouco de água no fundo do tabuleiro e, neste caso, o toucinho. Com um termómetro avança séculos na técnica dos assados.
Se quiser servir o lombo no vão, deve atar com fio de cozinha algo longo e firme junto e a meio do espinhaço. Assim o vão não se curva e pode montar de novo as fatias que cortou, o que dá um belo efeito, sobretudo se for servido frio.
Mas este é servido quente e não é preciso nada. Com uma faca afiada e longa vai separando o lombo do osso e aí verá como deu jeito tê-lo cortado, como disse, entre as costelas. O lombo solta-se facilmente.
Entretanto, cozeu batatas com casca e pouco sal, pelou-as e partiu-as às rodelas de 1 cm de grossura. Pincelou-as de ambos os lados com um pouco de massa de pimentão comprada (agora há-a em todo o lado, até há poucos anos tinha de fazê-la). Na sertã aquece e derrete uma boa banha, que deve cheirar a torresmos. Frita primeiro a morcela e depois aloura aí as batatas, sem deixar queimar a massa de pimentão. A seguir esfarela a morcela. Temos tudo para começar a montar os pratos. Sobre 2 rodelas de batata alouradas monta 3 fatias de lombo de porco, decoradas com um rabanete em rosa, um dente de alho confitado, um pouco de cebolinho picado, só para dar cor. Ao lado, duas colheres de sopa de morcela migada e, separada, outra colher de sopa do doce que se disse. Retirou entretanto o molho do tabuleiro para um recipiente alto e delgado, assim é mais fácil desengordurá-lo. Espessou-o com um pouco de Maizena e faz agora com ele uns traços decorativos no prato.
Para acompanhar, sugiro um Vinhas Velhas, um Bairrada de Luís Pato. Os vinhos da Bairrada têm certa acidez natural e são frescos. Servi-lo a 18ºC.
4 Comments:
Presumo que seja este o lombo que me vai fazer voltar a gostar de lombo assado!
Gosto do pormenor dos alhos confitados...
Tenho é de compra o termómetro!
Agora quero degustar este Vinhas Velhas. Essa acidez de que fala muito me apraz. Abs
Presume bem, Colher de Pau. Não me lembrava onde tinha posto o que escrevi acerca do lombo, deste modo de fazer o lombo, que o torna bastante suculento. Era até para lho dedicar, para ver se o fazia. O termómetro é indispensável, não é caro e presta relevantes serviços a assados e estufados :)
Ah não tire as gorduras da pá de porco, uma vez na vida não fazem mal. Veja que a pá se torna suculenta por causa da gordura que tem e que não conseguiu tirar-lhe.
Gorete: os vinhos da Bairrada são assim, maduros e bem maduros, mas com uma certa frescura que os torna óptimos para acompanhar carne de porco. Essa acidez provém de a Bairrada ser uma região perto do mar.
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