terça-feira, junho 27, 2006

Santolas na (en)costa



Há uns meses fui à praça e, de repente, vi bancas cheias de santolas, a 5 € o quilo, vivas, a espernear. Bichos raros nesta cidade, as santolas, e mais raro o preço. A santola é muito mais delicada do que a sapateira, quer na carne, quer no recheio que permite. Comprei duas fêmeas, que são melhores, e vim a pensar num recheio diferente.

Pus uma panela ao lume com água e carreguei-lhe no sal. Quando levantou fervura – ó sobrevivência cruel! – mergulhei, vivos, aqueles bichos primários, do antiquíssimo caos. Vinte minutos depois de a ebulição franca ter começado, retirei as santolas, já com aspecto deste século, vermelhas e apetitosas, que é como as vemos mais vulgarmente.

Deixei-as arrefecer de patas para o ar, abria-as, estavam ambas ovadas, e aproveitei tudo menos as guelras, inclusive a água que tinham, colocando o interior numa tigela. Retirei as patas e escolhi a carne que vinha agarrada a elas, bem como a da parte da barriga por onde as abri.



Esmiucei bem a carne e o resto. Para duas santolas, não deitei mais que uma colher de sopa mal cheia de maionese comprada, juntei-lhe pão ralado, temperei com pimenta preta moída na altura, pus um nada de vinagre de sidra, que é menos agressivo. Até aqui tudo normal, a não ser a pouca maionese em que quase sempre nos encharcam e a contenção no vinagre. Agora vem a diferença que tornou estas santolas uma delícia. Ralei queijo parmesão autêntico, em natureza, com nenhuma sovinice ainda que seja caro, e adicionei um gole xerez (La Ina).



Afinei os sabores, creio que nunca precisou de sal, e engrossei um pouco mais o recheio com pão ralado. Como este se sentia na boca, guardei o recheio no frigorífico para que a humidade do recheio amaciasse o pão ralado, e depois acompanhei as santolas das tostas já referidas aqui e de um pouco de alface cortada em juliana, temperada com uma vinagreta comum (2 colheres de bom azeite para uma de bom vinagre e sal fino). Claro que não me esqueci das patas, que fui alternando com tostas e recheio.

Do vinho, não me lembro. Sei que vai bem um alvarinho de qualidade e com uns três anos (a casta aguenta bem o envelhecimento).

Creiam que seria uma iguaria do outro mundo se este as não tivesse já todas.

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18 Comments:

At 27/6/06 17:20, Blogger Karen said...

Deu uma vontade!

 
At 27/6/06 18:13, Anonymous Anónimo said...

Também a mim, enquanto escrevia aqui :)

 
At 27/6/06 19:42, Anonymous Anónimo said...

Não lhes deu a beber vinagre antes?!
(ai se a protectora das santolas me lê...) :))))

Maria Helena

 
At 27/6/06 19:56, Anonymous Anónimo said...

E outra...

Tentar fazer um bernaise decente provoca-me uma descompensação na auto confiança terrível! :))))

Atirei-me de "cabeça à cabeça" d'alho e não contei a ninguém para não agravar sintomas :)))))

A terapia instituída resultou e a maionese foi muito apreciada :))))))

Maria Helena

 
At 27/6/06 21:27, Blogger Mónica said...

Adorei o seu blog, vou ser visita assidua a partir de hoje!

Muito original este recheio de santola ;-)

 
At 28/6/06 00:30, Anonymous Anónimo said...

Maria Helena, sucede-lhe com o bernaise o que me sucede com os sonhos (de sobremesa...). Os primeiros que quis fazer estouravam em mil pedaços na fritadeira :) Aborreceram-me de tal modo que não tornei a tentar fazê-los.

Fico contente que tenham gostado da maionese de alho assado. Afinal é para isso que aqui estou.

As santolas deviam era passar pelo electrochoque dos matadouros ;)

 
At 28/6/06 00:41, Anonymous Anónimo said...

Mónica, Já vi no seu blogue a ginjinha e o Baileys. Sublinho que temos ambos esse lado licoreiro :)

 
At 28/6/06 01:51, Anonymous Anónimo said...

A sério, não mergulha as ditas vivas na água a ferver em cachão, pois não?
É que se assim fôr é péssimo para elas (taditas...) e para si! Se forem mergulhadas vivas na dita água, soltam, quase imediatamente, os apêndices conhecidos por "patas" proporcionando a entrada de água na massa interior, diluindo o paladar da mesma.
Antes de as mergulhar (cerca de 1/4 de hora), vire-as para cima, na banca, e vá deitando vinagre na "boca" até elas ficarem imobilizadas.
Esta manobra deve ser feita, obviamente, com elas vivas e a água já ao lume.
Assim, não largam nada e deixam-se cozer pacificamente :)))
Tanto nas santolas, sapateiras, lavagantes ou lagosta (que não a suada porque aí a malvadez é mais refinada :))) ).

O "Escondinho", na Passos Manuel, ainda faz a melhor lagosta suada do mundo?:)))))

Maria Helena

 
At 28/6/06 11:51, Blogger Elvira said...

Gostei imenso desta receita, eu que tanto aprecio marisco.

 
At 28/6/06 11:58, Blogger colher-de-pau said...

Eu não sou garnde apreciadora de marisco, mas santolas e sapateiras recheadas,são das poucas coisas q gosto. Custa-me um bocado ter de matar de maneira cruel os pobres bichos,mas é a lei da vida!

Sugeriu o alvarinho para acompanhar, mas eu pessoalmente acho q casava ainda melhor com um Pêra Manca bem frequinho, se me permite a sugestão!

 
At 28/6/06 12:44, Blogger Paula said...

Adoro santola... adoro queijo... receita anotada.

 
At 29/6/06 01:37, Anonymous Anónimo said...

As patas não se soltaram, Maria Helena, mas deve-se atá-las, coisa que me mete impressão e que por isso não fiz. Não gosto nada de imolar esses e outros bichos, e muito menos com essa espécie de sadomasoquismo.

Para isso, tinha-a metido no forno a 220º, de patas atadas e barriga para o ar, com um pouco de azeite em cima, durante 15 m.

A do vinagre não conhecia. Julgo que não vale o risco de saberem excessivamente a ele, se temos uma que me parece a melhor de todas e a mais cruel: forno, vivas!

Fui frequentador regular de almoços de trabalho no Escondidinho em determinada altura. Passados anos voltei lá, mas para jantar. Deplorável e triste. Nunca mais lá fui. Será que mudou de gerência?

 
At 29/6/06 01:52, Anonymous Anónimo said...

Colher de pau, pelo meu comentário acima se vê que também não sirvo de carrasco. Mas há lá bichinho mais lindo que um cabrito, e nós matámo-lo e comêmo-lo assado. Já por causa disso não como pombos e coelhos.

 
At 29/6/06 02:08, Anonymous Anónimo said...

Elvira e Paula, gosto bastante de marisco, mas gosto mais de queijo, de bom queijo, desse Parmesão, de um Roquefort de qualidade, de um quejo da serra nosso, o melhor de todos para mim quando impecável. Mas do que gosto mais mesmo é de foie gras. Um dia falo disto.

Elvira, permito, claro: este blogue é um lugar de democracia.

Nunca bebi Pera Manca branco. O tinto é um dos melhores vinhos portugueses e tenho algum. Talvez o branco case bem por causa do Xerês, só a Elvira mo poderá dizer.

 
At 29/6/06 02:14, Anonymous Anónimo said...

Isto já é do sono, são 02:04. Quem falava do Pera Manca era a Colher de Pau. Aproveito para dizer que nunca bebi desse branco porque o Pera Manca tinto tem uma fasquia tão alta que me induzirá uma desilusão porventura injusta

 
At 29/6/06 08:07, Anonymous Anónimo said...

Ilustre Gourmet,

A técnica do forno não conhecia eu.
Posso assegurar-lhe que o vinagre utilizado para este acto não influi em nada no paladar, pois elas estão vivas e a operação é muito rápida. Utilizo esta técnica há anos. Não consigo atá-las e metê-las no forno, vivas...

A minha nostalgia do Escondidinho também tem alguns anos :)))

Maria Helena

 
At 3/7/06 08:23, Blogger kuka said...

O anónimo tem toda a razão.Teve muita sorte por elas não terem "largado as patas".Devem ser mortas com vinagre.

 
At 3/7/06 17:41, Anonymous Anónimo said...

Como não sou capaz de atá-las (do que fala toda a bateria de livros que tenho, sem citarem o vinagre) e porque o diz quem diz, pedindo eu desculpa à Maria Helena (o anónimo), a partir das próximas vai com o vinagre. É o que escrevi no comentário dos crepes. Amadores são amadores.

Foram as primeiras santolas vivas que cozi, e agora lembro-me das poucas sapateiras também vivas: de vez em quando lá estava uma pata no fundo, sobretudo pinças. Sempre a aprender. Obrigado aos dois. Nisso já não falho.

 

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