Santolas na (en)costa
Há uns meses fui à praça e, de repente, vi bancas cheias de santolas, a 5 € o quilo, vivas, a espernear. Bichos raros nesta cidade, as santolas, e mais raro o preço. A santola é muito mais delicada do que a sapateira, quer na carne, quer no recheio que permite. Comprei duas fêmeas, que são melhores, e vim a pensar num recheio diferente.
Pus uma panela ao lume com água e carreguei-lhe no sal. Quando levantou fervura – ó sobrevivência cruel! – mergulhei, vivos, aqueles bichos primários, do antiquíssimo caos. Vinte minutos depois de a ebulição franca ter começado, retirei as santolas, já com aspecto deste século, vermelhas e apetitosas, que é como as vemos mais vulgarmente.
Deixei-as arrefecer de patas para o ar, abria-as, estavam ambas ovadas, e aproveitei tudo menos as guelras, inclusive a água que tinham, colocando o interior numa tigela. Retirei as patas e escolhi a carne que vinha agarrada a elas, bem como a da parte da barriga por onde as abri.
Esmiucei bem a carne e o resto. Para duas santolas, não deitei mais que uma colher de sopa mal cheia de maionese comprada, juntei-lhe pão ralado, temperei com pimenta preta moída na altura, pus um nada de vinagre de sidra, que é menos agressivo. Até aqui tudo normal, a não ser a pouca maionese em que quase sempre nos encharcam e a contenção no vinagre. Agora vem a diferença que tornou estas santolas uma delícia. Ralei queijo parmesão autêntico, em natureza, com nenhuma sovinice ainda que seja caro, e adicionei um gole xerez (La Ina).
Afinei os sabores, creio que nunca precisou de sal, e engrossei um pouco mais o recheio com pão ralado. Como este se sentia na boca, guardei o recheio no frigorífico para que a humidade do recheio amaciasse o pão ralado, e depois acompanhei as santolas das tostas já referidas aqui e de um pouco de alface cortada em juliana, temperada com uma vinagreta comum (2 colheres de bom azeite para uma de bom vinagre e sal fino). Claro que não me esqueci das patas, que fui alternando com tostas e recheio.
Do vinho, não me lembro. Sei que vai bem um alvarinho de qualidade e com uns três anos (a casta aguenta bem o envelhecimento).
Creiam que seria uma iguaria do outro mundo se este as não tivesse já todas.
Etiquetas: Criações - marisco e afins
18 Comments:
Deu uma vontade!
Também a mim, enquanto escrevia aqui :)
Não lhes deu a beber vinagre antes?!
(ai se a protectora das santolas me lê...) :))))
Maria Helena
E outra...
Tentar fazer um bernaise decente provoca-me uma descompensação na auto confiança terrível! :))))
Atirei-me de "cabeça à cabeça" d'alho e não contei a ninguém para não agravar sintomas :)))))
A terapia instituída resultou e a maionese foi muito apreciada :))))))
Maria Helena
Adorei o seu blog, vou ser visita assidua a partir de hoje!
Muito original este recheio de santola ;-)
Maria Helena, sucede-lhe com o bernaise o que me sucede com os sonhos (de sobremesa...). Os primeiros que quis fazer estouravam em mil pedaços na fritadeira :) Aborreceram-me de tal modo que não tornei a tentar fazê-los.
Fico contente que tenham gostado da maionese de alho assado. Afinal é para isso que aqui estou.
As santolas deviam era passar pelo electrochoque dos matadouros ;)
Mónica, Já vi no seu blogue a ginjinha e o Baileys. Sublinho que temos ambos esse lado licoreiro :)
A sério, não mergulha as ditas vivas na água a ferver em cachão, pois não?
É que se assim fôr é péssimo para elas (taditas...) e para si! Se forem mergulhadas vivas na dita água, soltam, quase imediatamente, os apêndices conhecidos por "patas" proporcionando a entrada de água na massa interior, diluindo o paladar da mesma.
Antes de as mergulhar (cerca de 1/4 de hora), vire-as para cima, na banca, e vá deitando vinagre na "boca" até elas ficarem imobilizadas.
Esta manobra deve ser feita, obviamente, com elas vivas e a água já ao lume.
Assim, não largam nada e deixam-se cozer pacificamente :)))
Tanto nas santolas, sapateiras, lavagantes ou lagosta (que não a suada porque aí a malvadez é mais refinada :))) ).
O "Escondinho", na Passos Manuel, ainda faz a melhor lagosta suada do mundo?:)))))
Maria Helena
Gostei imenso desta receita, eu que tanto aprecio marisco.
Eu não sou garnde apreciadora de marisco, mas santolas e sapateiras recheadas,são das poucas coisas q gosto. Custa-me um bocado ter de matar de maneira cruel os pobres bichos,mas é a lei da vida!
Sugeriu o alvarinho para acompanhar, mas eu pessoalmente acho q casava ainda melhor com um Pêra Manca bem frequinho, se me permite a sugestão!
Adoro santola... adoro queijo... receita anotada.
As patas não se soltaram, Maria Helena, mas deve-se atá-las, coisa que me mete impressão e que por isso não fiz. Não gosto nada de imolar esses e outros bichos, e muito menos com essa espécie de sadomasoquismo.
Para isso, tinha-a metido no forno a 220º, de patas atadas e barriga para o ar, com um pouco de azeite em cima, durante 15 m.
A do vinagre não conhecia. Julgo que não vale o risco de saberem excessivamente a ele, se temos uma que me parece a melhor de todas e a mais cruel: forno, vivas!
Fui frequentador regular de almoços de trabalho no Escondidinho em determinada altura. Passados anos voltei lá, mas para jantar. Deplorável e triste. Nunca mais lá fui. Será que mudou de gerência?
Colher de pau, pelo meu comentário acima se vê que também não sirvo de carrasco. Mas há lá bichinho mais lindo que um cabrito, e nós matámo-lo e comêmo-lo assado. Já por causa disso não como pombos e coelhos.
Elvira e Paula, gosto bastante de marisco, mas gosto mais de queijo, de bom queijo, desse Parmesão, de um Roquefort de qualidade, de um quejo da serra nosso, o melhor de todos para mim quando impecável. Mas do que gosto mais mesmo é de foie gras. Um dia falo disto.
Elvira, permito, claro: este blogue é um lugar de democracia.
Nunca bebi Pera Manca branco. O tinto é um dos melhores vinhos portugueses e tenho algum. Talvez o branco case bem por causa do Xerês, só a Elvira mo poderá dizer.
Isto já é do sono, são 02:04. Quem falava do Pera Manca era a Colher de Pau. Aproveito para dizer que nunca bebi desse branco porque o Pera Manca tinto tem uma fasquia tão alta que me induzirá uma desilusão porventura injusta
Ilustre Gourmet,
A técnica do forno não conhecia eu.
Posso assegurar-lhe que o vinagre utilizado para este acto não influi em nada no paladar, pois elas estão vivas e a operação é muito rápida. Utilizo esta técnica há anos. Não consigo atá-las e metê-las no forno, vivas...
A minha nostalgia do Escondidinho também tem alguns anos :)))
Maria Helena
O anónimo tem toda a razão.Teve muita sorte por elas não terem "largado as patas".Devem ser mortas com vinagre.
Como não sou capaz de atá-las (do que fala toda a bateria de livros que tenho, sem citarem o vinagre) e porque o diz quem diz, pedindo eu desculpa à Maria Helena (o anónimo), a partir das próximas vai com o vinagre. É o que escrevi no comentário dos crepes. Amadores são amadores.
Foram as primeiras santolas vivas que cozi, e agora lembro-me das poucas sapateiras também vivas: de vez em quando lá estava uma pata no fundo, sobretudo pinças. Sempre a aprender. Obrigado aos dois. Nisso já não falho.
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