domingo, junho 25, 2006

Para que não se percam



Vou falar de espetadas de mexilhão em escabeche, não como as de Aveiro, que são fritas. Comi-as numa tasca das redondezas da Praça da Batalha, no Porto, pouco mais seria eu que um adolescente saído da infância, um miúdo ainda, e nunca mais se me apagaram da memória. Depois de uma larga, longa caminhada de anos, de terras, de gentes, de países, de restaurantes sem fim, dos melhores aos piores, da mais pobre refeição, que é de ar, à mais opulenta ou à mais sofisticada, em Portugal e nos caminhos e cidades do grande mundo ― depois de tanto andar, nunca esqueço as espetadas de mexilhão daquela tasca da Praça da Batalha. Um dia reconstruí-as, com a lembrança bem viva. Ficam para que outros as passem a outros e, assim, tenham a eternidade possível que merecem.

Compre sempre três ou quatro vezes mais mexilhão do que julga necessário. Vai chorar por mais. Cebola com generosidade, às rodelas finas, às meias luas como ensina o mestre Kuka, azeite bom, em quantidade pouco sovina, mas não excessiva, nestas coisas a mão é importante, vinagre branco bom a gosto, alhos esborrachados com a casca, colorau aromático, uma ou duas folhas de louro, consoante a quantidade de mexilhão, um ramo de salsa que se veja bem, sal se preciso, palitos de mesa.

Lave e retire as barbas do mexilhão, que deve ser grande, do que vulgarmente se vê nos hipermercados em sacas de rede. Deve cheirar o mexilhão e ver se ele está fechado. Se estiver aberto e o seu cheiro não for limpo, pergunte em que dias o recebem e compre-os então.

Ponha os mexilhões numa panela, sem mais nada que os ditos, leve a panela, tapada, ao bico mais forte, com o lume no máximo. Abertos, desligue o lume, retire o testo, escorra a água que largaram para um recipiente, deixe pousar as impurezas e arrefecer o mexilhão enquanto principia o escabeche.

Numa sertã grande ou num tacho, leve a cebola com o azeite ao lume, aloure-a, cuidando de que não se queime. Junte parte da água dos mexilhões já decantada, o vinho branco, o vinagre, os alhos, a salsa, o louro. Deixe fervilhar em lume brando e com um testo por cima. Vigie, adicione mais água se preciso, deixe levantar fervura. Mais vale adicionar água que ter de a tirar. Veja se precisa de sal e vinagre, retirando o líquido com uma colher do lugar onde ferve, para apanhar caldo sem gordura e assim dar melhor prova. Lembre-se de que há um equilíbrio para tudo: nem nada a mais, nem nada a menos, sendo que o azeite deve sentir-se bem presente. Adicione o colorau e a pimenta branca, misture bem, deixe ferver dois minutos e desligue.

Entretanto, foi retirando mexilhões das casca e enfiando cinco por palito, atravessados no centro, até os acabar todos, acamando as pequenas espetadas ordenadamente num recipiente. Deite o molho de escabeche por cima e, quando frio, leve-o ao frigorífico por dois ou três dias, voltando as espetadas duas vezes por dia. O melhor mesmo é contratar uma empresa de segurança para lhe guardar a porta da cozinha.

Não resisto a aconselhar um verde branco pouco graduado (8º graus de álcool, o mínimo permitido), a uma temperatura baixa (6ºC). É um vinho já de si bastante ácido e assim leve e fresco irá bem, e não fere as esquisitices do gourmet mais exigente. Serve naturalmente de petisco, e uma vez fi-las para os aperitivos da boda de casamento de um familiar, servida num hotel. Uma das melhores bodas a que já fui. Desapareceram num ai.

Honra àquele homem que mas serviu e já não vive, ó Porto antigo.

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2 Comments:

At 26/6/06 01:20, Anonymous Anónimo said...

Pois é, este "palavreado" é delicioso. Tenho que ver se experimento esta receita. Obrigada pela partilha! :) L

 
At 27/6/06 00:17, Anonymous Anónimo said...

Pois experimente, e faça o que aconselho: compre três ou quatro vezes mais mexilhão do que julgará normalmente necessário. As espetadas ficam em nada e nem no Paraíso as há assim :)

 

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