segunda-feira, abril 09, 2007

Jantar no Terreiro do Paço sem ministros # 3

Claro que já tínhamos escolhido o vinho, melhor, deixámos que o escanção o escolhesse por nós. Foi o Pontval de 2004 Touriga Nacional, Syrah e Trincadeira Preta, um vinho alentejano do Alandroal, de aromas complexos, a bagas vermelhas e a cogumelos de Paris, com 14,5º, álcool um pouco a descoberto no nariz que logo se perdoou pelo bem que soube. Alternadamente, para os pratos de peixe, bebeu-se água.

Passemos então ao restante do menu:

Peixe-galo corado


Se é certo que a ligação do peixe-galo com o creme de espargos era boa (não se dava pela hortelã), não acho admissível o peixe estar passado de mais. Possivelmente não seria Vítor Sobral quem estaria na cozinha. Mas se não estava, arranjava quem estivesse com competência, apesar de que há muitos como eu, que vão a um restaurante destes por causa do seu chefe. O certo é que com 1 minuto ou algo menos de cada lado, o peixe ficaria no ponto. Assim, estava seco. Um desgosto. Os espargos grelhados, partidos longitudinalmente em quatro, estavam duros, queimados e não loiros (até se vê na imagem, sob o filete). Os cogumelos não faziam ali nada.

Bochechas de porco preto grelhadas




Com as bochechas de porco preto continuou o mesmo. Excesso de cocção. Estavam secas. O feijão verde, duro e a mais. A emulsão de poejo não sabia a poejo. Salvou-se a ligação da manga grelhada com a carne de porco e os curiosos fritos à esquerda na imagem, que não consegui distinguir de que seriam mais, além de puré de batata.

Não é vã a fama que Vitor Sobral tem quanto a temperaturas de serviço, sempre cuidadas.

Raviolli de ananás com queijo de cabra



Era já um prato de sobremesa, desta vez muito subtil. Os raviolli (2) eram feitos com uma fina capa de ananás, cortada ao longo do fruto, que embrulhava um recheio de queijo de cabra com cebolinho picado. Por mim, teria empregado queijo de ovelha porque de sabor mais distinguível. Ou posto mais sal no queijo de cabra. Mas estava bem, como estava bem a ligação do creme de ginja e cardamomo com o conjunto e a telha finíssima de caramelo crocante sobre os ravioli. As groselhas e as pequenas framboesas, muito aromáticas, foram um final excelente.

Crocante de maçã reineta e fava de tonka


Espantosa, de todos os espantos, foi a ligação do gengibre confitado com o muito aromático gelado de maçã verde. E era tão incomum e bom, e tão presente, que o sabor do recheio do crocante de massa filo se eclipsou, ao contrário do que a ementa realça, citando o pastel de filo como título.

Considerando o tipo de restaurante, a ideia que me ficou é de que a ementa do menu se apresentou de confecção muito desiquilibrada, com os defeitos e as qualidades que citei. Os pontos altos não admitiam que houvesse pontos fracos, nem o dinheiro que se pagou devia ter sido aplicado em peixe e carne passados do ponto. Fica entretanto o serviço, que foi bom, tirando a fífia do princípio, a de não ter sido mostrada a garrafa do porto aperitivo. A amesendação era, com a respectiva baixela, como se esperava, ignorando-se um indiscreto copinho de louça da Ikea e não contando com a falta do guardanapo no meu lugar. A impressão final é que houve quase sempre algo que lixou o excelente, o que quer dizer fraca vigilância em pormenores tão simples que restaurantes do mesmo tipo não os descurariam. No entanto, prevenindo-nos quanto aos pontos de cozedura do peixe e da carne, isto é, chamando a atenção de que se querem como deve ser, é um restaurante a que se poderá voltar, sem pensar que se pagou caro demais um jantar afinal incomum.

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10 Comments:

At 10/4/07 09:09, Blogger kuka said...

Será que o Euromilhões foi para os lados do amigo Avental?

 
At 10/4/07 10:51, Blogger Unknown said...

Bem. nunca tive muita curiosidade em ir a esse restaurante. E, depois da sua descrição, assim continuo!

 
At 10/4/07 14:31, Anonymous Anónimo said...

Sou uma apreciadora de boa comida, que às vezes se aventura na cozinha. A minha família é toda do Porto e as tradições culinárias são muitas e passam de geração em geração.
Também achei que O Terreiro do Paço deixa a desejar, não estando à altura das expectativas que criei (mea culpa, quem sabe...).
Parabéns por este seu blog delicioso, criativo e rigoroso também; sigo-o com atenção e apetite! :-)

 
At 11/4/07 13:29, Anonymous Anónimo said...

Caro Mestre, perdi todo o meu primeiro salário a jogar a lerpa, e foi remédio santo, jurei nunca mais jogar. Nem no Euromilhões :) Mas foi carote, sim. Um dia não são dias. E se o Mestre lá estivesse para ensinar o Vitor Sobral a grelhar as coisas no ponto, havia de parecer mais barato. Pelo que li e me disseram, e eu mesmo comprovei, é um lado fraco dele.

 
At 11/4/07 13:41, Anonymous Anónimo said...

O mesmo não se passou comigo, Goretti. A curiosidade é que me fez lá ir, para ver como se amanhavam com a recriação moderna de alguns gostos portugueses. Para falar verdade, português dos pés à cabeça e o melhor de tudo, a par das sobremesas, foi o entretém de boca. A tal mousse de bacalhau com migas crocantes de broa e o creme de tomate num copinho. Aí a mão e o gosto foram virtuosos.

 
At 11/4/07 14:15, Anonymous Anónimo said...

Não é culpa sua, Citadina. Portugal ainda é muito provinciano neste tipo de restaurantes. Se conhecemos outros no género fora país, muito rápidamente damos conta disso.

Não escrevi isto nos posts, mas deu-me a impressão de que a Vitor Sobral falta por enquanto sensibilidade para uma cozinha criativa plena, com os seus jogos de texturas (notava-se essa preocupação nos seus pratos)que adquiriam um carácter incompleto originado pela pouca inspiração nas ligações entre cada alimento em dado prato (exceptuo o carpaccio). Por isso, duvido mesmo que as sobremesas sejam dele e não de alguém encarregado de as fazer.

 
At 11/4/07 21:55, Anonymous Anónimo said...

cARO aVENTAL
eU TB TENHO CURIOidade em ir a determinados restaurantes. Por vezes é uma curiosidade inexplicável. Mas não era o caso, pois quem me falou bem não o fez com gd entusiasmo e quem me falou mal... Mas, como todas as experiências,há sempre um lado positivo. Por exemplo, fui uma vez a um restaurante "estrelado" em Lisboa (movida pela curiosidade!!!) e o que me lembro foi dos mais de dez minutos que estivemos sentados na mesa à espera que algum empregado reparasse que havia ali gente e da conta final (maior por pessoa, certamente, do que no Terreiro do Paço)... o resto, salvou-se o vinho (escolhido por nós, porque se tinha escanção não apareceu) e a sobremesa. Foi,digamos, um verdadeiro desastre...
Goretti

 
At 11/4/07 21:56, Anonymous Anónimo said...

P.s. Mas continue com as suas críticas gastronómicas, sejam boas ou más! Esse é o tipo de textos que gosto bastante de ler e o Avental fá-lo bastante bem...
Goretti

 
At 12/4/07 22:54, Blogger avental said...

Goretti, os restaurantes deste tipo de categoria deviam ter um livro de reclamações (activo) e serem fortemente penalisados em situações como a sua. Afinal, trata-se de uma fraude (o caso que contou).

 
At 12/4/07 22:57, Blogger avental said...

penaliZado...

 

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