Um ensopado de borrego
As imagens da mousse foram-se. Um dia faço outra, e ainda ficará mais atraente e tão boa como estava a primeira.
Agora vamos para os antípodas destas coisas, para o prato da cozinha alentejana de que talvez mais goste. Costumo fazê-lo segundo a receita que vem na Cozinha Regional Portuguesa, de Maria Odete C. Valente, que sugiro a quem não tenha o livro, pela honestidade e pela abrangência com que trata o tema. Desta vez, porém, introduzi três modificações: uma foi a hortelã que, não há muito, recendia no ensopado de borrego do Restaurante O Bacalhau.
Outra foi tornar o caldo um pouco mais espesso, como certa vez comi no monte de um amigo, perto de Santa Eulália, do concelho de Moura, não um ensopado de borrego, mas de perdiz, uma delícia rara. Esta modificação, pela introdução de, mais ou menos, uma colher de sopa rasa de farinha de trigo por litro de caldo, vem também na Cozinha Tradicional Portuguesa, de Maria de Lurdes Modesto.
É ainda deste livro a última alteração ao ensopado habitual: usei uma folha de louro, sem a nervura central, como aconselha Chalabi Red, e dourei primeiro o borrego (pescoço e falda) em banha e azeite, antes de lhe pôr o pimentão, a cebola picada e os alhos às falhas, o louro, a hortelã, o ramo de salsa, a pimenta preta do moinho.
Feito isto, deixei a carne estufar um pouco, com a farinha bem desfeita em água, e fui adicionando pequenos goles de água simples. Quando estava no ponto que achei bom, adicionei mais água para obter 300 ml de caldo por pessoa. Utilizo sempre esta medida, que é a de um prato de sopa bem cheio, porque, pondo mais, estou a diluir a concentração de sabores. Quando levantou fervura, juntei-lhe umas quantas batatas aos cubos, não muitas, batatas próprias para cozer, um gole de vinagre e ainda um pouco mais de alho.
Cozidas as batatas, pus, numa terrina, o caldo, que coei por um passador, depois de retirar as batatas e a carne para uma travessa. O pão que, naturalmente não era alentejano, foi o mais próximo possível dele, e este próximo é bastante longe. Esta não é uma cidade de pão sequer razoável, em geral. Pus uma fatia no prato; em cima do pão, carne e batatas, mais hortelã e, por fim, o caldo. Estava de se lamber o fundo do prato, salvo seja.
Etiquetas: De outros - carne
12 Comments:
O amigo Avental despertou-me o apetite! Vou fazer brevemente um ensopadito. Porque por estas bandas, felizmente, existe pão de óptima qualidade.
Que maravilha! Como ao Kuka, também me deu vontade de fazer um ensopadito!...
Que coisa boa anda por aqui!
Também eu fiquei com vontade de fazer um ensopado destes!
Parece-me estar tudo de acordo com as receitas da minha mãe - deve ter ficado muito bom. Adoro o caldo com o sabor a hortelã!
De aparência, está óptimo. Se souber assim... É uma comidas que aprecio bastante
Mestre, aí há o pão, aqui, o vinho. Mas como nunca me deu jeito beber vinho com o ensopado, esta cidade perde em toda a linha. Até os borregos aí de baixo são melhores. Trouxe este de Salamanca, em cujas planícies o pasto e a bolota dão carne de excepção, o gado bovino Morucho, o borrego, o porco preto. O nosso D. Afonso V, que era meio estabanado, ainda se aventurou àquelas terras, não passou foi de Ciudad Rodrigo... Para nós ficaram as pedras, mal começam as terras raianas de Almeida.
Paula, os ensopaditos - :) - são uma maravilha de se fazerem e mais ainda de se comerem.
Colher de Pau, bons olhos a vejam
:)
Fiquei hesitante entre o ensopado e o seu bife de atum. Mas como já comi o ensopado, parece-me uma tolice acabada não escolher logo o
o aromatiquíssimo bife que em boa hora fez :)
Chef Janvier, tenho comigo a ideia de que devemos preservar não só a nossa cozinha regional - para um dia não andarmos todos a comer piza -, como também a cozinha regional e familiar feita nos fogões dos nossos ascendentes, pais, avós, mesmo bisavós quem os tenha ainda.
Um dos meus maiores prazeres neste hobby da culinária reside nessa cozinha e, mais ainda, em desmontá-la, jogando com cores, sabores e texturas, tornando-a mais leve (por menos quantidade proposta) e mais colorida, sem perder nunca o seu sabor de referência.
Há pratos que parecem impossíveis de modernizar, como o ensopado de borrego, por exemplo. Mas mesmo este ensopado, imaginei agora mesmo, tem uma solução: fazer do caldo um consomé perfeitamente límpido, com um cubito de batata, outro de pão, um quase nada de borrego, um olho de hortelã, isto num copo de shot. Pode servir de amuse-bouche, ou, melhor ainda, fazer parte de um prato de sabores alentejanos. Ficou-me na cabeça :)
Goretti, pode fazer à confiança. Melhor do que este borrego, que teria uns 7 kg, é um de 10 ou 12 kg (em carcaça). O caldo fica com mais "sustância" :)
Acho que cozinha com "alma", como quem produz obras de arte. O resultado só podem ser pratos deliciosos.
Bom fim-de-semana!
Lídia, a semelhança entre a gestação de um objecto de arte e a criação de um prato têm muita semelhança e uma grande diferença: ambas são fundamentadas na experiência individual, ambas são concebidas com os sentidos, só que a arte vai ainda às raízes do próprio ser buscar a humanidade de uma mensagem que é de todos que tenham a capacidade de, ao usufruí-la, a tornar também sua. Achei muito pertinente a sua observação.
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