Perdiz à moda da Beira Alta, com castanhas, míscaros, folhados, grelos e uvas
Este é um dos modos meus preferidos de comer perdiz. Dá a canja e dá uma perdiz tão saborosa e suculenta quanto simples são os seus temperos: cebola, azeite e sal. A original come-se com batatas cozidas. Nesta, além de outra disposição, substituí as batatas por massa folhada (do Continente, fresca, tem folhas muito finas e é bastante própria para este fim), e acrescentei duas castanhas assadas e depois estufadas no molho, e três míscaros grelhados e estufados como as castanhas: enquanto, lentamente, a perdiz sofria o mesmo trato. Além disso, pus dois bagos de uva que ligaram lindamente e grelos cortados. Para a próxima, usarei outra verdura, talvez um esparregado de agriões como este, mas sem pistácios.
Primeiro cozi a perdiz em água e sal, reservei a perdiz e pus um pouco de arroz na canja e deixei-o a cozer.
O que usei para estufar a perdiz:
1 perdiz
2 cebolas médias às rodelas
Sal
Azeite bem mais que para cobrir o fundo do tacho.
Caldo da canja para ir repondo o molho.
Fritei as rodelas da cebola até estarem cozidas e transparentes. Retirei a cebola e reservei. Parti a perdiz ao meio e alourei as duas partes no azeite que fritara a cebola, a qual, a seguir, devolvi ao tacho. Pus 1/3 de concha de canja, acrescentei um pouco de sal e deixei as perdizes para ali a fervilhar, enquanto grelhava os míscaros e assava as castanhas na chapa. Uma vez prontos pu-los a estufar, como disse acima. Cozi os grelos uns minutos breves com a panela destapada e passei-os por água fria, para pararem a cozedura e firmarem a cor. Entretanto tinha ligado o forno para os 220ºC, embora na embalagem da massa aconselhem 240ºC, o que é excessivo. Cozi os folhados, depois de os pincelar com gema de ovo. É uma massa muito delicada.
Montei o então o prato como se vê nas imagens. Com a canja, a perdiz e a sobremesa de gelado de requeijão, gostaria de saber em que lugar tinha ficado o meu almoço no top ten dos almoços de cidadãos e cidadãs deste burgo antigo.
Etiquetas: Criações - Carne
16 Comments:
Provávelmente em 1º! E ainda há perdizes aí por esses campos ou, são Espanholitas?
Mestre: esta veio com o coelho pendurado aí em baixo e sabia a bravo. Mas a maior parte delas são das salerosas :)
Só para dizer que os bifinhos com molhe de queijo da Serra e míscaros seguidos à risca estiveram perfeitas e deliciaram quatro pessoas! Obrigada.
HMF, esse outro lado que, aliás, conhece alegra-me agora que lhe tenha sido útil. Digamos que o daqui era um 'bifão' à minha medida ;)
Míscaros que saudades tenho eu de comer, em quantidades assinaláveis.
Agora com os incêndios que percorrem a Beira Alta de lés a lés, é algo que quase não existem (pelo menos para os meus lados).
Vou estar em Gouveia, no fim de semana alargado, pode ser que o meu pai tenha apanhado uma boa maquia.
E a pimenta preta? Ficou esquecida ou só ao escrever a receita?
Também uma crítica amigável: parece-me haver exagero da guarnição em relação a uma perdiz que, preparada assim (também noprmalmente a estufo) fica com delicadeza que essa giuarnição talvez prejudique.
Dito isto, parabéns pela criatividade que este blogue manifesta sempre. Já escrevi no meu que acho que um blogue de gastronomia não se deve limitar, como muitos, à simples apresentação seca de receitas.
Este ano é farto de míscaros, Vinicius. Apesar dos incêndios. Choveu em Agosto e tem chovido bastante, condição favorável à fartura de tão abendiçoados fungos. Ainda os haverá para esse fim-de-semana, ou talvez os tenham guardado, congelados. Se não os guardaram, estou certo que os arranja no mercado do burgo do Infante, como chamo à cidade onde moro.
Damelun, não diga isso que me põe com pesos na consciência e com vontade de lhe cozinhar uma perdiz destas, o que é impossível neste meio virtual...
JCV, fazem estas perdizes no modo original sem pimenta preta. Depois, tenho andado muito parcimonioso com as especiarias. Prefiro jogar com sabores e texturas de acompanhamentos em pratos delicados, de modo a salientar o que é central, neste caso a perdiz. Uso-as quando procuro determinado fim ou então em cozinhas nacionais que as exijam.
Concordo que seja uma perdiz de aspecto barroco. A apresentação ficaria menos complicada num prato maior. No entanto, asseguro-lhe, com excepção dos grelos (que, à primeira garfada, pus de parte), tudo jogou para que, no meu entendimento, a perdiz sobressaísse. Os míscaros (3) com o seu ligeiro aroma retronasal a canela e com a firmeza vegetal da sua carne. A “marmelada” de cebola, por ser uma nota a reforçar o tempero central, se quiser uma anáfora culinária, passe aqui a figura de estilo. As castanhas (2) porque eram um puré impregnado de molho que jogava com a carne. Os folhados porque introduziram uma textura estaladiça e seca que, salientando-se, salientou os demais acompanhamentos e a própria perdiz, concorrendo para o relevo desejado na peça central. As uvas (2 bagos) foram uma surpresa de frescura doce, em oposição a tudo o resto. Nunca comi um míscaro com uma castanha ou com um bago de uva ou com um pouco de cebola. Ou segundo outra combinação entre si. Juntos com a perdiz, cada um por sua vez, ao mesmo tempo ou na memória da garfada anterior, fizeram, para meu gosto, um casamento perfeito.
Na minha concepção de maridages, como disse Arzak quando salientou a importância das ligações, os grelos estiveram mal, porque totalmente desenquadrados, com o seu sabor amargo e textura herbácea. Por isso falei num esparregado de agriões, que não é esparregado nenhum, senão apenas agriões cozidos passados com a varinha, temperados só com sal. Têm um sabor subtil que talvez case bem com esta perdiz. Os grelos, esses sim, eram um divórcio, e incluí-os com a mania de querer tornar este prato mais regional (já estava que chegasse).
Enfim, o processo de criatividade em culinária assemelha-se ao da criação artística, só que ao nível dos sentidos, mas sempre livre, enquanto a gestação da arte se apoia no ser integral (e numa liberdade de nível superior). Por aqui compreenderá o meu desejo de libertação de cânones quando quero criar ou recriar um prato, muito embora me sinta tecnicamente um ignorante para ser bastante menos conservador naquilo que vou imaginando.
É pouco frequente fazer algo por receita. Aborreço-me. Convenhamos que é muito mais cómodo não se estar agarrado a um livro ou a uma folha. Mas às vezes é preciso ou então dá-nos o desejo de experimentar receitas alheias. Foi exactamente assim que aprendi a cozinhar.
Nenhum dos blogues de gastronomia que escolho para visitar e que estão aí à direita é de receitas copy paste, como lhes chamo, mas mesmo os de copy paste são úteis para conferir dúvidas e para quem, querendo iniciar-se na cozinha, opte pela maior enciclopédia culinária de sempre, que é a blogosfera gastronómica.
Pode ver na ligação abaixo uma outra perdiz, essa com pimenta preta, mas em grão, para que não soubesse de mais a ela...
http://aventalgourmet.blogspot.com/2006/10/perdizes-de-escabeche-com-vinagre-de.html
Enfim, escrevi imenso, mas expus a tendência que sigo neste passatempo e gosto, e isso é sempre bom para fixarmos o nosso pensamento.
JCV, só agora reparei no seu termo guarnições. Esse termo pressupõe um conceito que não existe neste tipo de pratos, em que se busca as sinergias dos diversos elementos para melhor realçar o principal. Os grelos, além de com eles querer dar contraste de cor, funcionaram como uma verdadeira guarnição (tradicional na região). Talvez por isso não tenha sopesado, como devia, o mal que iam com tudo o mais. Nem o esparregado de agriões entrará de futuro: seria outra guarnição. Umas folhas verdes de agriões ou rúcula, muito poucas, e apenas decorativas, mais nada.
Mais um prato encantador!
Passei por cá para agradecer. Assei ontem um pedaço de aba de vitela mirandesa. Segui a sua receita de vitela assada à moda de Lafões. Só lhe juntei uma pitada de colorau, de resto, fiz tal e qual como explicou. Obrigada, porque foi de comer e chorar por mais! O meu marido adorou. Até me disse que estava exactamente como num restaurante de Vouzela onde comemos essa especialidade.
Esta coisa dos blogues é de mais. Partilhar experiências, truques, dicas... Graças a si, não demorei anos a realizar a receita. Consegui logo da primeira! Muito obrigada.
Um abraço.
Bem... Até eu comia um bocadinho dessa perdiz, que é coisa que adoro...
Ando com intenção de fazer periz fria à moda de Coimbra (uma espécie de perdiz de escabeche, mas para mim ainda melhor).
Deve ser para a época natalícia, e tenho de me governar com pediz congelada de supermercado1
Avental, quem me dera apanhar uma dessas! Já foi tempo, quando o meu pai caçava... Invejo-lhe o petisco!
É uma bela maneira de assar carne da aba. É curioso que ensinei a fazer essa carne num restaurante aonde às vezes vou, e perguntei ao dono porque é que tinha posto pimentão. Os clientes querem, respondeu-me. Fiquei a pensar que ele é que tinha querido.
Um dia experimente a carne sem pimentão. Vai ver que ganha uma boa cor, a carne e o molho, e não corre o risco de um dia deitar um pimentão que não dê apenas cor, mas também gosto, o que por cá é raro. Desta vez não é por recusar temperos, é mesmo porque não leva, tantas vezes a tenho comido, nomeadamente na feira de Sotomaior, onde ia há um bom par de anos saboreá-la entre negociantes e compradores de gado, numa mesa de tábuas.
Deu-me o sono e já não consegui responder mais. Colher de Pau, se eu comer em dois anos dez perdizes, uma é brava, o que quer dizer que como uma perdiz dessas de dois anos em anos (se comer). Tal como disse quando da perdiz de escabeche com vinagre de framboesa a minha reserva é o Pingo Doce :( Custam menos de 7 euros cada, creio que 6,99. E são boas, melhores que faisão, embora diferentes das bravas no sabor.
Paula, agora tem de caçar com gato :) Que o mesmo é dizer, ir como eu ao Pingo Doce ou a Espanha. As bravas hoje são uma dádiva de deuses caprichosos :(
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