Gaspacho com o seu granizado e um toque alentejano de presunto e coentros
Estava eu em pleno trabalho de criar este gaspacho, quando, num intervalo, leio num blogue espanhol de culinária sobre o concurso HMEC #1, cujo logotipo repito. Como acho divertida esta iniciativa, não hesito em entrar no concurso com uma das mil variações que o gaspacho permite, tal como em Portugal o bacalhau. É evidente que um outro tipo de sopa fria permitiria um maior brilho, eu sei, mas não vou criá-la só para concorrer. Um gaspacho ou um consomé frio de perdiz de escabeche para mim valem o mesmo neste caso. Mas já estou a imaginá-lo e às cores necessárias...
Posto isto, o gaspacho dividiu-se em três fases:
1 – Elaboração de um fundo de presunto, com ossos e carne do mesmo. Coze-se lentamente os ossos e a carne em água com cebola, alho francês, cenoura, salsa, tudo metido em frio.
Ao fim de umas horas, coa-se, desengordura-se e reduz-se o caldo, e conserva-se, congelado, nas cuvetes do gelo.
2 – O gaspacho propriamente dito faz-se como todos os gaspachos de tomate do tipo andaluz. Triturei no mixer os seguintes componentes:
Tomates bem maduros (com pele e sementes), cortado em pedaços – 1 kg
Pimento vermelho em 2 ou 3 pedaços – 50 g
Pimento verde, idem – 50 gr
Parte branca do alho francês às rodelas - 120 g
Pepino sem casca – 60 g
A que fui juntando:
Azeite extra virgem de alta qualidade – 60 ml
Vinagre de Xerês – 60 ml
Massa de pimentão – 2 colheres de chá cheias.
Passei tudo pelo coador chinês para outro recipiente. Com a ajuda de uma espátula e de 800 ml de água, esgotei bem a massa. Já na posse do caldo coado, entrou então o seguinte:
Sal – q.b.
Açúcar – 1 colher de sopa rasa
Vinagre de Xerês – 20 ml
Fundo de presunto – 4 cubos.
O caldo final rendeu 1,6 l, dos quais reservei 0,400 l
Postos de parte estes 400 ml, juntei aos 1.200 restantes
Miolo de pão duro, ralado finamente na picadora – 80 gr
Misturei bem e pus o gaspacho no congelador.
3 – Adereços (a terceira fase)
Presunto – algumas pequenas fatias finas
Coentros picados muito miudamente
Granizado de gaspacho - 400 ml de gaspacho e uma clara batida em castelo firme.
Num recipiente baixo e largo, levei os 0,400 l de gaspacho a começar a congelar. Nesta altura juntei-lhe as claras batidas, misturei levemente e levei tudo a congelar. Quando começou a ficar duro, tornei a misturar, mexendo. Repeti esta operação x vezes até as claras terem absorvido completamente o gaspacho. Deixei endurecer um pouco mais.
Bati o caldo do gaspacho com a varinha mágica para o miolo de pão ficar totalmente despercebido.
Coloquei o gaspacho gelado no prato, duas boas colheradas do granizado que ficou a aflorar. Sobre o granizado, umas isquitas de presunto e os coentros picados como na imagem.
As variações do gaspacho andaluz vulgar residem na troca da cebola e do alho por alho francês e nas quantidades menores de pimento e de pepino, com o que consegui um gaspacho bastante mais suave. Os adereços também fizeram a diferença: o granizado manteve a sopa gelada, é crocante e ajudou a matar o calor insuportável que tem estado. Os coentros e o presunto, porque o gaspacho alentejano leva presunto e os coentros são a erva aromática que mais distingue a cozinha do Alentejo.
Este ligeiro aportuguesamento do gaspacho, via Alentejo, fez-me lembrar que, até à reconquista, todo o sul da Península Ibérica era o Al-Andaluz, e que Al-Mu'tamid (séc. XI), nascido em Beja, foi poeta e rei de Sevilha e também califa de Silves, de quem deixo um dos mais belos poemas.
EVOCAÇÂO DE SILVES
Saúda, por mim, Abû Bakr,
os queridos lugares de Silves
e diz-me se deles a saudade
é tão grande quanto a minha.
saúda o Palácio dos Balcões,
da parte de quem nunca o esqueceu,
morada de leões e de gazelas
salas e sombras onde eu
doce refúgio encontrava
entre ancas opulentas
e tão estreitas cinturas.
moças níveas e morenas
atravessavam-me a alma
como brancas espadas
como lanças escuras.
ai quantas noites fiquei,
lá no remanso do rio,
preso nos jogos do amor
com a da pulseira curva,
igual aos meandros da água,
enquanto o tempo passava...
ela me servia vinho:
o vinho do seu olhar,
às vezes o do seu copo,
e outras vezes o da boca.
tangia-me o alaúde
e eis que eu estremecia
como se estivesse ouvindo
tendões de colos cortados.
mas se retirava as vestes
grácil detalhe mostrando,
era ramo de salgueiro
que me abria o seu botão
para ostentar a flor.
Al-Mu'tamid - Poeta do Destino, introdução, tradução e selecção de Adalberto Alves Assírio & Alvim, Lisboa, 1996.
Etiquetas: Criações - sopas
10 Comments:
isso eh maravilhoso! :-)
Este post está um encanto. Não só pela receita como por tudo o que a acompanha.
Lindíssimo blogue, este!
Fezoca e Elvira, fico com mãos a mais e bolsos a menos :)
Consolei-me com ele, Tempo Dividido. Saboroso e geladíssimo. Tenho pena que isto seja tão virtual que ao menos não se possa dar uma colherita a provar.
E eu que gosto tanto de gaspacho, e nunca me deu para fazer! Realmente com este tempo quente é algo que apetece. Pode ser que me inspire a fazê-lo. Quanto ao concurso, desejo-lhe Boa Sorte!
¡¡¡Un gazpacho impresionante!!!!!!
Olá, Colher de Pau. O concurso vale pelo convívio virtual, o lugar não importa, todos nós sabemos fazer coisas boas. Como se pode comparar um prato bom com outro igualmente bom? Mais vale comer os dois :)
Quanto ao gaspacho, dá mais trabalho descrever e também ler o post do que fazer essa sopa geladíssima...
Cerise, me quedo muy contento com tus palabras. Siendo escritas por quien las escrivió tienem um valor necesariamente más grande. Gracias.
muchas gracias por tu participacion. es una pena que no entiendo bien el portugues.
Hola, Olla
Lo que quería era mismo participar y non una carrera, e eso está hecho. Entretanto puedo traducirte lo que no entiendas, que traducirlo todo lleva horas.
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