sábado, julho 29, 2006

Bacalhau podre ou
Qualquer dia faço uma subscrição na blogosfera para comprar uma máquina fotográfica

Por aqui faz-se bacalhau podre com algumas variações. Digamos que esta cidade ou é onde ele surgiu, ou onde mais se come por restaurantes. D. Zeferino, já falecido e o maior demagogo que conheci em coisas de cozinha regional, dava-o como oriundo de Trás-os-Montes, teoria que não merece grande crédito, apesar de os defuntos ganharem virtudes que nunca se suspeitou terem em vida. No entanto, a teoria espalhou-se e ganhou foros de verdade histórica (ainda que possa ser transmontano, não tenho provas de nada). A teoria de D. Zeferino era que falava para parvenus ignorantes, numa linguagem barroco-naïf e esses, ainda por cima provincianos, engolem tudo e nunca desmentem o quer que seja com medo do ridículo, o seu mais devastador inimigo, sempre invisível nos espelhos onde se miram.

Googlando, fui encontrar o bacalhau podre em Maçainhas, nos arredores da Guarda, em Vila Nova de Paiva das Terras do Demo, de Aquilino Ribeiro, em Manteigas, lugares relativamente perto daqui. Mais longe, num restaurante do Porto, noutro de Avintes e, nas minhas estantes, também, no Pantagruel, em duas versões diferentes, mas nenhuma parecida com esta ou com as outras que tenho comido. Nos livros de cozinha regional que tenho, nada com esse nome.

Onde, pela primeira vez, me encontrei com o dito foi num pequeno restaurante dos subúrbios da cidade. O molho era da cor deste, e nunca mais o tinha comido assim. O restaurante mudou de dono e, com ele, o bacalhau. Tentei uma vez recrear essa cor e falhei. Não tornei a fazê-lo até ontem. Enfim, ontem, já com bastante mais experiência, deixei parte da cebola queimar um pouco, usei vinho do Porto escuro e tomate meio verde. Saíu a contento, um bacalhau podre que quis propositadamente diferente, salvo na cor daquele original e primeiro da minha vida.

Acompanhá-lo-ia de puré, se não o achasse excessivo, ou ainda mais excessivas as batatas fritas com que também o trazem.

O que usei: uma posta de lombo de bacalhau congelado, que é tão bom como o melhor, descongelada naturalmente e partida em duas por ser grande demais. Dois dentes de alho esmagados, meio tomate avantajado e pouco maduro, salsa, uma cebola às rodelas cortada na tábua, vinho do Porto colheita 1990, pimenta preta em grão, duas fatias de presunto, azeite do tal que se usa aqui, fécula de milho para espessar o molho.

Adereços: um pouco de cebola ainda transparente, retirada antes de a deixar escurecer, as fatias de presunto cozinhado, um cisco de tomate bem vermelho com a casca, salsa picada, um dente de alho de aperitivo, três azeitonas pretas, galegas, de que me esqueci.

Para fritar o bacalhau: azeite, farinha de trigo, 1 ovo batido com 1/2 colher de sopa de azeite e sal.

Comecei por fritar a cebola em azeite num tacho. Quando macia e transparente, retirei parte dela e reservei-a. Deixei a outra parte escurecer um pouco mais do que o estrugido para o arroz que se come no Porto. Parti o tomate em dados grosseiros, sempre com pele e grainhas quando é para coar depois o molho. Juntei a salsa, a pimenta preta em grão, os alhos esborrachados com a casca. Deixei estufar, acrescentando goles de água quando necessário e também para fazer o molho em quantidade necessária. Juntei vinho do Porto sem sovinice. Continuou a estufar. Deitei um gole de vinagre de bom vinho tinto, feito em casa, e deixei que fervilhasse. Coei o molho pelo chinês, espessei-o um pouco com fécula de milho e pu-lo de lado, naquele mesmo tacho, entretanto já lavado. Reservei-o.

Passei a posta de bacalhau por farinha e ovo e repeti mais uma vez este procedimento. Fritei-a em azeite abundante, tendo o cuidado de a abanar para que, apesar do fundo de teflon, o polme se não agarrasse ao fundo.

Frita a posta, pu-la no tacho com o molho que, entretanto, já fervilhava. Deixei-o penetrar e amolecer o polme uns cinco minutos de cada lado. Retirei a posta, empratei-a e pus-lhe os adereços.

Consolei-me. Bebi uma Mao bem fresca, cerveja de Madrid de que gosto bastante. Não estive para descer à garrafeira e trazer um vinho branco. Já trabalhara de mais. No entanto, agora tenho pena de não ter ido por um Arinto que tenho da Bairrada, impecável, com mais de 30 anos. Parece incrível, ainda tem cheiro do fruto e, na garrafa, a cor de um vinho jovem. Meia hora depois de aberta é que começa a oxidar, a ir do original amarelo palha para o amarelo escuro. Pensando bem, a cerveja foi melhor. Não é um branco para se beber sozinho. Às tantas, ainda me votava a uma depressiva melancolia...

Etiquetas:

5 Comments:

At 31/7/06 16:59, Blogger Elvira said...

Que nome tão feio para uma receita tão boa! :-D

 
At 31/7/06 21:16, Blogger avental said...

De facto é feio, na razão inversa do seu gosto :)

 
At 5/8/07 16:21, Blogger Clara Gomes said...

Receita de bacalhau muito complicado,já comi melhores.mas cada um tem o seu sabor né?nem sempre o complicado e o mais saboroso.....

 
At 30/11/12 03:28, Anonymous Anónimo said...

[url=http://kaufencialisgenerikade.com/]cialis[/url] tadalafil
[url=http://acquistocialisgenericoit.com/]cialis acquisto[/url] cialis online
[url=http://comprarcialisgenericoes.com/]cialis[/url] cialis
[url=http://achatcialisgeneriquefr.com/]prix cialis[/url] prix cialis pharmacie

 
At 24/5/18 13:35, Blogger Luis said...

Comi muitas vezes Bacalhau podre sempre no mesmo sítio. Nunca o vi anunciado em qualquer outro restaurante e eu viajava por Portugal de Norte a Sul! Era uma tasca onde levei imensos amigos e conhecidos e aos quais pedia não divulgassem. Comimos sempre...sempre muito bem e TUDO era smpre BOM. Como gosto de cozinhar quis aprender a receita do bacalhau podre do Sr Zé das Iscas e não consegui. Era ex libras. Cozinhava num fogão por detrás do balcão.
Figueiró da Granja, Fornos de Algodres, Guarda. ZÉ das Iscas. Falecido.

 

Enviar um comentário

<< Home