sábado, maio 26, 2007

A paelha do almoço de domingo passado...

Vou ter de arranjar tempo não sei como, de inventar dias com vinte e seis ou vinte e sete horas, isto porque dormir menos do que necessito é coisa de que não gosto nada, como também ficar na cama depois de acordar. O sono é um dos melhores bens da vida, sabêmo-lo, embora às tantas a gente começe a pensar que esvair um terço da existência nesse torpor inconsciente é um desperdício; que Deus ou o Big Bang deveriam ter disposto acerca do sono diário com a mão mais fechada.

Enfim, este amouse-bouche é para dizer que só hoje venho com o prato forte do almoço de domingo de há uma semana. Duas paelleras de paella marinera, a de cima com as asas encarnadas e a de baixo, na última imagem, atrás da garrafa, com asas verdes.


Trouxe de Espanha os lagostins de mar e de rio, bem como o arroz Bomba. De cá, foi tudo o resto, salvo os camarões, penso que do tamanho 40-60, que eram de Madagáscar e que estavam inteiriçados numa das muitíssimas ilhas de gelo do Sr. Azevedo. Cerca de 500 g de cada um dos lagostins, um pouco menos de camarões e ainda umas quatro lulas, julgo que da nossa costa. Do mesmo Sr. Azevedo vieram 2 kg de mexilhões.

Para a calda da paelha, fiz um um fumet com uma cabeça de pescada congelada (queria uma de corvina fresca, não a arranjei), 1 cenoura grossa, 1 alho francês e 1 cebola média às rodelas, 2 dentes de alho, 1 ramo de salsa, sal e 1 punhadito de pimenta preta em grão . Ao contrário das receitas que tenho para aqui, no fumet não usei vinho branco, não fazia sentido para uma calda de arroz. Fervilhou em lume mínimo durante uma hora, coei-o e, mais tarde, viria a juntar-lhe a água de cozer os lagostins de mar e o líquido que os mexilhões largaram quando foram abertos. Como éramos cinco, usei 500 g de arroz Bomba e 4 vezes o seu volume de fumet.

Fiz um refogado, na própria paelhera, sobre o espalhador, com uma cebola bem picada, até ficar macia e transparente. Juntei-lhe dois tomates médios ralados, sem sementes nem pele, e deixei apurar.


Cortei as lulas aos anéis e deixei-as cozer nesse refogado.



Distribuí as lulas e o refogado pelas duas paelleras. Numa pus 300 de arroz g, noutra, por ser mais pequena, 200 g.

Num almofariz, esmaguei, com sal grosso, dois dentes de alho, uma ramo de salsa, um pacote de estames de açafrão, uns 2 g, massa que viria a juntar nas paelleras quando adicionei a calda.
Como vegetais, entraram o pimento e meio assado que deixara da samfaina, feijão verde cortado, a que dei uma entaladela antes num tacho com água e sal, as ervilhas cozidas 4 minutos, também com água (já quente) e sal, no microondas, com que ficam muito verdes e bonitas. As cenouras baby, essas seguiram cruas para a confecção da paelha, por serem muito tenras.


Aqueci o fumet coado, rectifiquei de sal e juntei um pouco de corante amarelo alimentar. A calda deve ficar sobre o salgado, para este ou para qualquer arroz seco ou apenas húmido como os arrozes valencianos.
Coloquei a paelhera sobre o espalhador e adicionei a calda e os vegetais ao arroz.

Tinha, entretanto, descascado os camarões em cru, deixando-lhes a cabeça e a cauda.
Pus acima a imagem da paelha para se ver que ela deve ferver em toda a superfície, com o lume distribuido pelos dois anéis do espalhador. É um dos segredos da paelha. Outro é a quantidade de calda. Outro ainda é não usar muito arroz numa só paellera, o ideal é 3 a 3,5 cm de altura depois de feito (vê-se pela altura do líquido e, em ultima análise, com a prática).

Quando a água estava já a desaparecer, enterrei os camarões no arroz e, no fim de 14 minutos de ter levantado fervura, apaguei o lume e tapei o arroz durante pouco mais de 5 minutos.

Acompanhou-se a paelha com o alvarinho galego Vionta 2006, um vinho elegante, fresco, a encher a boca com uma longa persistência, cujos aromas mais notados por mim foram de mel e de bolos. Dar-lhe-ia a nota de 8,5 em 10. Outro casamento perfeito, o deste vinho com a paella marinera, que difere da mais comum por não levar carnes (frango, coelho, entrecosto).

É um prato bonito. Estava uma rica paelha (ou uma paelha rica?). Como-o com agrado, mas não me perco por paelhas. Prefiro bem mais este arroz, por exemplo. Penso que somos nós quem dá cartas quanto a arrozes na Península Ibérica. Pelo menos, para meu gosto. Só que a paelha é mil vezes mais mediática que o nosso inigualável arroz de forno em dia de assado, para só falar deste arroz cada vez mais em vias de extinção, creio.

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12 Comments:

At 27/5/07 12:31, Anonymous Anónimo said...

Também não sou um adepto incondicional da paella (mas gosto, claro). No entanto, julgo que nuestros hermanos também dão cartas valiosas em matéria de "arrozes" com os seus a la marinera, simples, mas perfeitos. Embora muito diferentes na confecção e consistência final, fazem lembrar os risottos na sua filosofia: Poucos ingredientes e sabor enriquecido por caldos muito bem trabalhados!
(Já para não falar no fantástico arroz negro.)

 
At 27/5/07 16:06, Anonymous Anónimo said...

Caro CMF, creio que em Espanha, os arrozes com qualidade, se confinam, como originários, ao País Valenciano, se não me faltar algum de outra região por desconhecimento ou falta de lembrança (há um arroz de forno tradicional de Zamora que comi uma vez, mas longe em qualidade do nosso e também dos do Sul de Espanha).

Os arrozes de Valência sofrem algumas modificações mais para cima, na Catalunha. Foi perto de Tarragona que comi pela primeira vez o célebre "arroz negre" que cita e que qualquer dia faço. Digamos que é o arroz de cabidela deles, mas de mar, com o "sangue" dos chocos (isto é para quem eventualmente nos leia) e com a consistência da paelha, exactamente com a do "exercício" do arroz de cabidela de um post meu aí para baixo. São arrozes diferentes, claro. Nós é que temos uma infinita variedade de modos, sobretudo no Centro e Norte do país.

 
At 27/5/07 16:25, Blogger Unknown said...

Boa tarde.
Passei para ler a sua bela prosa.


Bom fim de semana.

 
At 28/5/07 00:41, Blogger Cláudia A. said...

Que deliciosa!! Amo paella.

 
At 28/5/07 18:13, Anonymous Anónimo said...

Caro Avental, tenho andado a pensar neste assunto, e julgo que a chave está naquilo que disse ali em cima: "Nós é que temos uma infinita variedade de modos, sobretudo no Centro e Norte do país."
Exactamente! No Sul não, no Sul o arroz sempre foi produto de luxo, usado muito raramente. Repare que até a cabidela se faz com batata no Alentejo e no Algarve! Talvez tenha sido isso que afastou o arroz do receituário espanhol, e se calhar não é por acaso que, como refere, ele apenas parece estar instalado na região valenciana e na Catalunha, zonas de Espanha mais desenvolvidas economicamente (e suponho que assim tenha sido desde as Descobertas, quando os novos ingredientes chegaram à gastronomia ibérica).

 
At 28/5/07 19:02, Anonymous Anónimo said...

Estive agora a consultar o "3000 años de cocina española", e a secção dos arrozes é curtíssima, apenas com 4 títulos, e todos da região Alicante-Valência-Catalunha. Há outros espalhados pelo livro, mas a modesta dimensão do capítulo dedicado reforça a ideia do Avental. Realmente parece que foi apenas na região mediterrânica e oriental de Espanha que o arroz ganhou algum peso na gastronomia tradicional.

(Fiquei também a saber, após esta breve consulta, que o arroz bomba é o pai dos risottos italianos de grão gordo.)

 
At 31/5/07 17:37, Anonymous Anónimo said...

a minha paella foi de cherne(verdadeiro e fresco), camarão 16/20, o pequeno dá muito trabalhoa descascar (sou mesmo preguiçosa) e ameijoas.
Fiz o fumet com a cabeça de cherne e mais os legumes.
Mas como a paella tem 50cm, usei a técnica dum site espanhol que me deu: pôr o arroz num montinho em toda a largura do diametro e depois a água terá de cobrir esse montinho, e fica a relação correcta entre a paellera, o arroz e a água. Arroz Bomba, com certeza!
Mais uma vez ficou fantástico.

 
At 31/5/07 21:10, Anonymous Anónimo said...

Caiano Silvestre, às vezes dão-me umas saudades do Nabão!

 
At 31/5/07 21:16, Anonymous Anónimo said...

Digamos que é um amor guloso, Cláudia. Pedindo-lhe desculpa pela minha filosofice: afinal que amor não o é? :)

 
At 31/5/07 21:56, Anonymous Anónimo said...

Caro CMF, não sabia da paternidade que o Bomba assume, e o certo é que o pai não envergonha os filhos, muito pelo contrário. Viver e aprender.

A minha ocupação profissional tem-me permitido conhecer bem Espanha, e também as férias. Vai a qualquer lado de Espanha e pode estar certo que a última coisa a aparecer-lhe na mesa é um "entrecote" com arroz de manteiga. De facto, não só não está no hábito deles usar o arroz como acompanhamento, como são poucos os arrozes como pratos extremes, como afirma.

Há um que é nacional deles, de que gosto bastante se bem gelado: o "arroz con leche", muito mais frequente em restaurantes que o nosso arroz doce cá. Os nossos industriais de restauração devem pensar que não é uma sobremesa suficientemente digna e trocam-no por baba de camelo. A mim mete-me espécie como é que tanta gente consegue deglutir uma sobremesa tão má com um nome tão a condizer.

 
At 31/5/07 22:08, Anonymous Anónimo said...

Marta, não sabia essa do montinho :) Com alguma prática, a água deixa de ser problema, ainda que em arrozes caros como a paella marinera eu volte às medidas.

Se usasse lulas, frango, coelho, servia-se da cabeça do cherne para o fumet e do resto para a refeição seguinte. Grelhado com batatinhas novas e molho de manteiga...

 
At 31/5/07 23:31, Anonymous Anónimo said...

Caro Avental, eu em Espanha acabo sempre por me perder nas tapas e nos mariscos, e raramente me sento num restaurante para olhar com atenção para uma refeição completa. Daí só agora ter percebido, depois de ler o seu texto, e recorrendo à memória e fazendo alguma consulta bibliográfica, que o arroz não tem papel de peso na cozinha espanhola. Produto de luxo, antigamente, e que acabou por não entrar nos hábitos? Talvez seja essa a explicação, como já aventei.
Bem, ainda assim recordo de Espanha alguns magníficos arrozes. Os "a la marinera" que costumo comer nos "chiringuitos" da Andaluzia ocidental; o negro, do qual já falámos (e recentemente comi um em Mérida, no restaurante Altair, de chorar...); e um pilafado com gambas e foie gras em Sevilha, uma obra-prima (mas suspeito que não seja coisa tradicional, conquanto o restaurante não fosse dado a fusões; as "conquilhas com favinhas" que vieram antes confirmam a ideia; mas já estou a divagar, e a recordar momentos felizes!).

Quanto ao "arroz con leche", ainda não o reparei nele, mas vou ficar agora mais atento, embora eu não seja muito "doceiro"!

 

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