segunda-feira, julho 31, 2006

A (nada) Ilustre Casa de Ramiro em Óbidos

Onde vamos jantar, onde não vamos, fomos cair em Óbidos. O restaurante parecia bem, a sala demasiado soturna condizia com o séc. XIX do plagiado título Ilustre Casa de Ramires.

Entre muita hesitação, acabámos por fazer uma vaquinha: uma dose de cherne em espetada e outra de arroz de pato, isto a conselho do maître, por serem especialidades da casa. Água e meia garrafa de Duas Quintas 2002, normal, a meu pedido. Vieram os habituais entreténs de boca, habituais também na falta de qualidade dos enchidos, na vulgaridade dos croquetes em forma de bola. Ainda assim, o que se safava era os queijinhos frescos, de uma marca que, ainda por cima, os faz às dezenas de milhar. Isto já me tinha posto de pé atrás.

Entretanto, eu recambiara o Duas Quintas, para que o descessem dos vinte e muitos graus para uma temperatura decente, que tive de nomear: 18ºC. Neste país, a temperatura ideal para beber vinho é a ambiente, que pode ir abaixo dos dez graus até aos trinta e muitos. Tinham vindo já com dois copos enormes, não sei se Riedel, do tipo Borgonha, que também foram para trás, ridículos para um vinho como aquele. É aflitiva a falta de profissionalismo e de cultura do meio em muita da restauração portuguesa - falo daquela que se dá ares do que quer ser e nunca será.

Serviram a espetada de cherne: descuidada, em pedaços grandes e pequenos, uns envoltos em bacon, outros de onde o bacon desaparecera, uns passados de todo, outros menos passados e nenhum no ponto.

A seguir distribuíram o arroz de pato, cuja única originalidade era levar coentros (a hortelã ligaria melhor para meu gosto), mas dei o benefício de um sabor curioso, embora, quanto a mim, deslocado. Já não dei benefício nenhum foi à qualidade do arroz: curto, cozido de mais, quase sem sabor por trás da gritaria dos coentros, além de ter sido feito para o almoço, sem qualquer dúvida.

Ainda tive alguma esperança na sobremesa, quando arregalei os olhos para a barriga de freira. Arregalei os olhos, passe a graçola, ainda que as freiras soubessem bem porque punham nomes eróticos aos seus doces, no tempo em que os conventos serviam de estalagem à Igreja e acolhiam clérigos em jornada, os beiços gulosos de açúcar e de pecados a saber a sal.

Qual quê! Triste barriga pálida (...) e fria (“seu lábio tristíssimo sorria”, António Feijó), amarfanhada num prato de barro de tarta al whisky. Quais fios de ovos, qual travessa farta! Miséria, imbecilidade, parlapatice.

Veio o café e pedi uma ginjinha da terra, que é famosa. Era da terra, sim, mas exclusiva do restaurante, disse o maître. Um dedal somítico.

Foi a única coisa boa que me calhou. Uma delícia rara que me fez esquecer, por algum tempo, a extorsão de setenta e muitos euros. Agora, ilustre casa, só a de Eça, se a reler. A Ilustre Casa de Ramiro é um plágio, uma aldrabice, uma caverna de Ali Babá em Óbidos. Os fiscais deviam ir lá com a polícia de choque, trazerem a ginja toda que houvesse e fecharem o restaurante para sempre.

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11 Comments:

At 3/8/06 10:24, Blogger hfm said...

Assino por baixo e já leva algum tempo a enganar, só não enganam na conta!

 
At 3/8/06 23:52, Blogger avental said...

Quando o restaurante merece o dinheiro que cobra, nunca choro o dinheiro lá gasto, porque esse dinheiro já ninguém mo tira, nem mesmo o José Sócrates. Agora neste...

 
At 8/8/06 17:32, Blogger eu mesma! said...

obrigada pela informação, assim nunca porei lá os pés!

 
At 9/8/06 13:26, Blogger avental said...

Eu até punha um letreiro à porta: "NÃO ENTRE!"

 
At 3/10/06 23:01, Anonymous Anónimo said...

Caros(as)

Passando sobre o proselitismo dos comentários, o post, propriamente dito, é de uma "snobeira" capaz de enjoar mais,literalmente e "gritantemente", que coentros em arroz de pato.

Tenha paciência, apenas porque se trata do seu "muro de lamentações", mas modere-se... Nota-se que a soberba lhe afecta seguramente o paladar ou, sem suma, o gosto...

Tenha tento, é seguramente um valor seguro na restauração portuguesa (além-Lisboa) e merece o seu respeito, nem que seja pela vetusta idade que detém servindo comensais menos "gourmet" (desculpe-me o francesismo que eventualmente lhe agrada...) mas mas mais idóneos.

Por último meu Caro... Ilustre Casa de Ramiro,plágio!? Deus lhe dê o que lhe falta diria D. Ramiro, o tal que matou 1.700 infiéis "só com uma faca de cortar fruta", faço-me entender??

Aliás, o nobre D. Ramiro, com ares de senhor e mandador do reino, dando ordens e tecendo comentários aos seus súbditos, sem poupar os convivas. Estabelecendo regras de comportamento à mesa medieval, sobre como cuspir ou arrotar eram parte dos seus atributos, enquanto cavaleiros de armadura e espadas disputam ruidosos combates, ou saltimbancos tentam animar a "corte", em tudome fazem lembrar V. Exa. e o seu espaço, e em nada o elegante Eça, que certamente lhe daria umas valentes bengaladas por cuspir no prato em que comeu...

De V. Exa.

 
At 5/11/07 16:25, Anonymous Anónimo said...

Em estadia de fim-de-semana prolongado, regressei a Óbidos, após um interregno de cerca de oito anos. De entre as boas memórias da restauração ali, então, apreciada, um nome surgia imponente e recordado com devoção: a Ilustre Casa de Ramiro. De realçar que, por essa altura ida, cheguei mesmo a fazer uma viagem de 400 km, contando com a ida e o regresso,a fim de, propositadamente, ali me deliciar com um soberbo jantar. Isto, recorde-se, há cerca de oito anos...

Ao consultar documentação sobre os restaurantes e alojamentos actualmente disponíveis em Óbidos, deparei-me, então, com a crítica de Julho de 2006, neste blogue e respectivos comentários, cujo autor não conheço, e o que me obviamente me suscitou natural inquietação, uma vez que a "Ilustre casa" era, até ao momento, destino obrigatório durante a estadia que tinha programada para daí uns dias.

Já em Óbidos, depois de repetir a boa experiência gastronómica de há uns 8 anos no "Caldeirão", e de me ter iniciado no restaurante da Albergaria Josefa de Óbidos, que, não sendo inesquecível, não desmereceu, lá me resolvi, na última noite, após hesitar entre esse, o restaurante da Estalagem do Convento e a Cozinha das Senhoras Rainhas, por "tirar teimas", entrando na "Ilustre Casa" - "Sempre ficamos a ter a nossa opinião", como bem observou o meu companheiro.

E assim foi. Pois, meus amigos, cale-se a voz de Bernardo Ribeiro Costa, que assina o último comentário publicado neste blogue, e o qual não conheço, pois que, em tudo, subscrevo o que foi escrito pelo autor deste (que, recorde-se, também não conheço)! Senão, vejamos.

As entradas, senhores, eram de uma pobreza e de um mau gosto indescritíveis: para além das azeitonas da praxe, foi servido um pires por pessoa, contendo, cada um, 2/3 de ruim carcaça de pão (daquelas que é só fermento...), sendo que o restante 1/3 havia sido cortado, a fim de que a dita pudesse assentar em cima de uma (sim, uma) magra e minúscula fatia de broa de milho; depois, veio a restante “entrada para duas pessoas”, composta por dois queijinhos frescos ainda acondicionados na sua embalagem-“pack 2” de plástico, tal qual veio do supermercado (que eram bons, como quase todos os que por aí se vendem em qualquer supermercado...), manteiga comum, patê comum, duas fatiazinhas de paio vulgar, duas fatiazinhas de (pasme-se!) fiambre (sim, fiambre....), duas fatiazinhas de (pasme-se!) mortadela (sim, mortadela...) e, por cima, duas tirinhas finas, cada uma com largura de cerca de 1 cm, de um queijo vulgaríssimo, tipo flamengo (mas daqueles sem sabor...). Tudo isto assentava num prato daqueles destinados a servir “fondue” que se vêem nas lojas de artigos chineses...À parte, serviram um pires com cerca de seis (sim, seis...) ridículas rodelas com o diâmetro aproximado a uma moeda de € 1, de linguiça assada, ou enchido equivalente.

Citando o meu companheiro “foram as piores entradas que alguma vez provei”. Claro está que as fatiazinhas de fiambre e de mortadela voltaram à procedência...tudo o resto foi consumido, porque a fome apertava e o serviço foi de uma lentidão inadmissível. E já lá vão € 10...

Lá pedimos, então, dois cremes de espargos (que recordava, com muito agrado, dos tempos idos), a espetada de cherne (apresentada como “especialidade”), e, a conselho do “maître”, o cabrito assado.

Depois de muito esperarmos, lá veio o anunciado “creme de espargos”, acompanhado por pedido espontâneo de “desculpas” pela espera.

O pior estava para vir: mergulhando a colher no prato, depressa me dei conta que o “creme” só constava mesmo do nome, porque o que se nos apresentava era uma água amarelada e sensaborona. Um autêntico horror. Lembrava, no sabor, aquelas sopas “knorr”, quando se acrescenta demasiada água...Não pudemos consentir naquilo e vimo-nos obrigados a remeter os pratos para de onde nunca deviam ter saído, sem que, antes, tivesse confrontado o empregado, pelo menos, com o aspecto do dito. Lá encolheu os ombros, parecendo algo divertido, ao observar a água que caía sem qualquer consistência, tendo respondido “pois, mas não posso fazer nada”...Optámos, exaustos já, pela sopa de legumes “do dia”, que nenhum comentário merece, pois que perfeitamente vulgar e esquecível.

Quanto à espetada de cherne, subscrevo integralmente os comentários já efectuados ao mesmo prato, em 31-07-2006, pelo autor deste blogue e acrescento que se tratou de uma pequena espetada de cinco ou seis cubinhos de peixe, dois dos quais envoltos em bacon, e todos demasiado secos, acompanhados por um montinho de puré de batata e uns legumes cozidos. Não passou, portanto, da vulgaridade. Preço: € 21.

No que respeita ao cabrito, experimentámos, desde logo, alguma dificuldade em conseguir detectar a carne, praticamente inexistente, por entre os ossos do bicho...vinha acompanhado por batatinhas assadas, bem molhadas, mas que denunciavam flagrante excesso de sal. Também não passou da mediocridade. Preço: € 21,50.

Das sobremesas, uma nota positiva para a “charlote de chocolate”, que se deixou comer com vontade; já a “Barriga de Freira” era, de facto, uma miséria, em tudo corroborando o comentário do autor deste blogue, a propósito da dita. Preço: € 4,35 e € 3,80, respectivamente. De notar que, a acompanhar a carta de sobremesas, não faltou, também, a carta de gelados que nos tentam impingir em tudo o que é restaurante vulgar.

Considerando que para “tirar teimas” desembolsámos € 78, e que, no “Caldeirão”(que não sendo pretensioso nem no nome, nem no ambiente) deixámos € 46 por uma boa refeição, há que concluir que de “ilustre” só mesmo o nome, pelo que, porventura só ficaria bem ao(s) proprietário(s) a justeza que se impõe, fazendo cair o adjectivo que, de facto, a sua “casa” não merece. Já o mereceu outrora, é certo, mas lamentavelmente este é mais um exemplo de triste e despudorado declínio na restauração portuguesa.

E não diga o senhor que assina o anterior comentário que a “casa” merece, pelo menos, respeito atenta a sua “vetusta idade” e os muitos comensais que já recebeu. E desde quando o “respeito” é motivo que impeça uma crítica, ademais objectiva e oportuna? E muito menos quando se critica o que está aberto ao público e (bem!) se faz pagar! Por outro lado, assuma-se, a verdade é que nem merece sequer “respeito”, porque, ao invés de honrar o compromisso da qualidade que em tempos lhe granjeou a preferência de muitos, antes se pretende refugiar num nome vazio de sentido e de conteúdo, e que, hoje, soa mais como uma amarga ironia...

Por tudo isso, subscrevo o óbito da “Ilustre Casa”, que, de agora em diante, com a mágoa de quem se sente duramente traído nas suas expectativas, passarei a recordar como “A Embusteira Casa de Ramiro”...

ARM
05/11/2007

 
At 21/5/08 15:42, Anonymous Anónimo said...

O mesmo nos aconteceu!! A comida uma mediocridade sem fim, e na hora de pagar, tivemos que o fazer como se tivéssemos comido bem e muito bem! Enfim, um roubo pela comida que servem.

 
At 20/11/09 10:21, Anonymous Anónimo said...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu

 
At 10/2/11 16:49, Anonymous Anónimo said...

Eu também lá fui várias vezes.Não pela gastronomia que me era oferecida, mas sim pelo espaço físico.Da última vez jurei não voltar mais. Pedi bacalhau e prometeram-me que estava bem demolhado.Nunca tinha visto água.Parecia que tinha sido cozinhado tal e qual como o tinham comprado.Pior era jurarem a "pés juntos"que o bacalhau estava bom ,logo eu é que estava errado. Para mim foi o fim.

 
At 16/7/12 18:36, Anonymous Anónimo said...

O que, para mim, resulta destes comentários é uma grande decepção e uma enorme nostalgia...
Entre os idos anos de 1988 e 1998 passei algumas vezes por este restaurante e sempre dele retive boas recordações: boa comida, bom ambiente, interessante espaço, diferente...
Sempre o achei um bocadito preseunçoso e um pouco caro (se calhar já era "muito" pois que eu, de certeza, era então menos pobre...) mas a satisfação que de lá sempre me acompanhava compensava a loucura.
Curiosamente, há poucos dias, pincelando e tentando colorir os dias difíceis de hoje com o relembrar de bons momentos do passado, vieram lá em casa à conversa os bons momentos passados na "ILUSTRE CASA DE RAMIRO", as recordações das tiradas do filho pouco mais que bébé (Meu Deus! Já tem 18 anos...), a boa comida: será que ainda existe? Será que ainda se come lá bem? Qualquer dia passamos em Óbidos e vamos lá.
Parecia um programa interessante e as férias estavam aí.
Não sei porquê nem como, vim aqui parar e li o texto do autor do blogue. Resultado? Balde de água fria!!!...Não podia ser!
Como também achei o texto, nalguns pormenores, demasiado técnico, quiçá um pouco presunçoso, quando comecei a ler o comentário de Bernardo Ribeiro e Costa ainda se acendeu uma luzinha de esperança. Talvez que aparecessem de seguida dezenas de revoltados comentários a devolver-me a minha ilusão.
Infelizmente não. Todos os comentários confirmavam o pior cenário: A ILUSTRE CASA era definitivamente passado e saudade.
Francamente falando, eu temia que, se não tivesse fechado, a decadência fosse o destino.
Tenho pena. Muita pena. E mesmo ficando-me a dúvida se o (mau) caminho foi entretanto arrepiado, o que aqui li é o que basta para não arriscar. Os tempos não vão de feição para se gastar dinheiro em tira teimas...
Vou tentar esquecer o que li e preservar as minhas boas recordações. Na realidade é o que conta e, pelo menos, é mais em conta...
Um abraço para todos,
M.J.Correia
(Porto)

 
At 27/12/12 22:32, Anonymous Tiago Monteiro said...

Acabei de sair de lá, não perco tempo em palavras... Concordo com tudo que foi dito anteriormente... Viva ao Minho e aos seus belos restaurantes!

 

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