quarta-feira, novembro 29, 2006

Cumprindo atrasado a netetiqueta

O trabalho escraviza-nos, por necessidade ou por vício, ou por ambas as razões. Bom era votarmo-nos ao ócio e mandarmos à fava o nega + ócio = negócio, e abrir-se-nos de novo a porta do Paraíso, de onde - lembremo-nos - foram expulsos os nossos pais bíblicos, sem termos culpa de haverem cometido um pecado que não é pecado nenhum.

Tudo isto para agradecer tardiamente ao Henrique Fialho ter escolhido este blogue como um dos blogues temáticos de 2006. Se não fosse ingratidão e por parecer falsa modéstia, diria que a blogosfera é tão grande que aquela escolha peca por defeito. Mas como sei ser grato, não digo. Digo é que o HMMF está a escrever cada vez melhor sobre poesia, a paixão dele.

E também para agradecer à Elvira da Tasca (leia-se, é evidente, A Tasca da Elvira) que, a propósito da Veau rôti à la mode de Lafões, qualificou este blogue, na língua de Racine, como "probablement le meilleur blog culinaire portugais", e escreve que sou "un monsieur de la Beira Alta passionné par la gastronomie portugaise traditionnelle", o que me atrapalha e atrapalha o meu jeito casual: nunca me vi monsieur e há anos que abandonei a gravata, salvo quando me sinto obrigado a ela (casamentos, baptizados, alguns funerais...). No que concerne ao Avental do Gourmet, ainda bem que deixou o advérbio probablement. Assim, fica aberta a porta para muitos outros entrarem. Os meus agradecimentos à Elvira.

Etiquetas:

segunda-feira, novembro 27, 2006

Gelado de iogurte com doce de alperces secos e tâmaras especiadas


Andava às voltas com um gelado de iogurte, do iogurte de que mais gosto (dos que há no país), esse aí da imagem, meio litro de delicadeza muito ligeiramente adoçado com glicose e com sabor a natas frescas que também leva. Onde o compro? No Lidl, que não me paga a publicidade, e onde peralvilhos e peralvilhas não entram só porque vende mais barato. Enfim.


O gelado levou:

1 frasco de 0,5L de iogurte Pianola
2 claras
15 g de açúcar (ou uma colher de sopa)

Esvaziei o frasco para uma tigela e mexi-o. Bati as claras em castelo e juntei-lhes os 15 g de açúcar, e depois, o iogurte a este merengue. Envolvi o merengue lentamente no iogurte, de baixo para cima e, feita a mistura, pu-la na sorveteira a rodar.

Entretanto tinha preparado um doce de alperces secos, com 100 g de alperces e 80 g de açúcar, cobertos de água, e ferveu e tornou a ferver para que os alperces cozessem bem, tendo adicionado uma vez água para baixar o ponto. Depois deixei que a calda ganhasse ponto de cabelo fraco (104ºC ao nível do mar, aqui 102ºC). Passeio os alperces pela varinha até ficarem em puré. Dispus umas colheres do doce no prato de serviço para que arrefecesse e para depois receber a bola de gelado.

Tinha comprado também umas tâmaras não sabia bem para quê, a não ser que eram para o gelado, até me ter lembrado de um resto de redução de vinho do Porto que estava no frigorífico. Cortei quatro ou cinco tâmaras às falhas, envolvi-as na redução de porto e — eureca! — temperei-as com noz moscada. As tâmaras assim preparadas foram uma verdadeira revelação e casaram-se com o gelado como Romeu gostaria de ter-se casado com Julieta. No fim do empratamento, risquei um bordão com calda de compota de pêssego vermelho, só para enfeitar.

Ficou uma sobremesa boa em qualquer parte onde gostem de sobremesas mais que tal. Para a próxima, no entanto, o doce de alperce sairá, embora ligasse bem com o gelado pouco açucarado, e o jogo dar-se-á entre as tâmaras assim preparadas, o gelado e o que mais pensar. Ou então este gelado permanece e fica a versão I. Não demora muito que volte à carga. Ficou com um muito subtil sabor oriental, o que é óbvio, pensando de onde são originais o iogurte, as tâmaras, a especiaria. Adoro sobremesas loucas. A versão II será a terceira, com esta e esta.

Etiquetas:

Choquinhos grelhados com ovas crocantes de bacalhau e aveludado de mexilhão


Ontem a minha cabeça andou às voltas à procura de um jantar condigno da perdiz do domingo passado, e de manhã andei pelos hipermercados, a ver se tinha ideias. Sucede que encontrei uns choquinhos e pensei que seriam bons grelhados sobre uma cama de ovas cozidas, tudo temperado com o tal azeite virginal de Foz Côa, alho esmagado no passador e coentros picadinhos, e trouxe os cefalopodezitos mais as ovas. Comprei a seguir uma bolsa de mexilhões, com a ideia de picá-los miudamente e temperá-los da mesma forma, agora com um pouco de vinagre, e tentar assim, com as ovas, a diferença nesse prato.

Sucedeu, entretanto, que tudo se transformou na minha cabeça, com o desagrado que senti em não dar um destino mais criativo àquilo. Hoje do que gosto mesmo na cozinha é a aventura que é a criação. O tempero de coentros, alho e azeite foi à vida. Grelhei os choquinhos só com sal, e também as ovas que, depois de cozidas e frias, grelhei em fatias na chapa, com a esperança de ficarem crocantes para contrastarem mais fortemente em textura com a dos chocos.

Estava com os mexilhões já abertos e tudo quase pronto, quando me saltou à cabeça uma ideia luminosa. Fazer um molho (môlho...) com eles. Piquei meia cebola grande para um tacho já com o tal azeite, deixei amaciá-la e depois puxei um pouco o refogado. Nessa altura, adicionei meio copo de um Alvarinho com 12,5º, comprado no Lidl para a cozinha - cheirava bem à casta, no entanto alguma coisa teria para ter custado apenas 1,99 €: na boca morria quase de imediato, sem vestígios de ter passado nela dez segundos depois de o beber. Mas no tacho portou-se muito bem. Deixei evaporar um bom bocado o vinho, bem mais de metade, e juntei um pouco da água que os mexilhões tinha largado. Passei tudo com a varinha e coei por um coador fino. Não precisou de sal. Era para lhe pôr pimenta preta, era para o ligar com Maisena, e não fiz nada disso. Estava tão bom, tão bom que temperá-lo com pimenta era um pecado, e não precisou da Maisena porque, para meu espanto, estava bem ligado e era um veludo.

Empratei como se vê, sobre um pouco de rúcula selvagem sem tempero nenhum. As ovas e os chocos temperei-os com azeite fora do prato, claro.

Só digo: as ovas estavam crocantíssimas, o molho divino, os choquinhos no seu ponto e as ligações perfeitas. Isto não é vaidade, é prazer. Creio que trocava este prato pela perdiz aí de baixo, embora o melhor fosse terem sido saboreados um a seguir ao outro.

Etiquetas:

quinta-feira, novembro 23, 2006

Distinção com vénia

Já era tempo de agradecer a distinção que a Joana fez deste blogue na sua Cozinha, ao lado de outros quatro. Chamou-nos "Cinco Blogues Gourmandise, Escolha 2006". Só o vício desgraçado de trabalhar até às quinhentas é que me impediu de agradecer mais cedo.

Etiquetas:

segunda-feira, novembro 20, 2006

Perdiz à moda da Beira Alta, com castanhas, míscaros, folhados, grelos e uvas


Este é um dos modos meus preferidos de comer perdiz. Dá a canja e dá uma perdiz tão saborosa e suculenta quanto simples são os seus temperos: cebola, azeite e sal. A original come-se com batatas cozidas. Nesta, além de outra disposição, substituí as batatas por massa folhada (do Continente, fresca, tem folhas muito finas e é bastante própria para este fim), e acrescentei duas castanhas assadas e depois estufadas no molho, e três míscaros grelhados e estufados como as castanhas: enquanto, lentamente, a perdiz sofria o mesmo trato. Além disso, pus dois bagos de uva que ligaram lindamente e grelos cortados. Para a próxima, usarei outra verdura, talvez um esparregado de agriões como este, mas sem pistácios.

Primeiro cozi a perdiz em água e sal, reservei a perdiz e pus um pouco de arroz na canja e deixei-o a cozer.

O que usei para estufar a perdiz:

1 perdiz
2 cebolas médias às rodelas
Sal
Azeite bem mais que para cobrir o fundo do tacho.
Caldo da canja para ir repondo o molho.

Fritei as rodelas da cebola até estarem cozidas e transparentes. Retirei a cebola e reservei. Parti a perdiz ao meio e alourei as duas partes no azeite que fritara a cebola, a qual, a seguir, devolvi ao tacho. Pus 1/3 de concha de canja, acrescentei um pouco de sal e deixei as perdizes para ali a fervilhar, enquanto grelhava os míscaros e assava as castanhas na chapa. Uma vez prontos pu-los a estufar, como disse acima. Cozi os grelos uns minutos breves com a panela destapada e passei-os por água fria, para pararem a cozedura e firmarem a cor. Entretanto tinha ligado o forno para os 220ºC, embora na embalagem da massa aconselhem 240ºC, o que é excessivo. Cozi os folhados, depois de os pincelar com gema de ovo. É uma massa muito delicada.

Montei o então o prato como se vê nas imagens. Com a canja, a perdiz e a sobremesa de gelado de requeijão, gostaria de saber em que lugar tinha ficado o meu almoço no top ten dos almoços de cidadãos e cidadãs deste burgo antigo.


Etiquetas:

domingo, novembro 19, 2006

Gelado salgado de requeijão de ovelha com doce de abóbora e redução de vinho do Porto


Não gosto de abóbora, o meu pai obrigava-me a comê-la, como tudo o que vinha para a mesa, e hoje não gosto de abóbora. Dei e tornei a dar voltas à cabeça para não deixar de participar no HEMC 5, tal com participei nos outros todos. Havia de ser com algo de que eu gostasse, e esse algo só se fosse doce da dita. E então, tendo visto a participação da FA do A Minha Cozinha com uma bela tarte, tendo lido que a Elvira do Bistrot se consolara com requeijão e doce de abóbora a uns trinta quilómetros daqui, e tendo visto um não menos apetitoso doce da Paula no Rap’ó Tacho, todas no passado dia 10 - não me levem a mal, dir-se-ia que o dia 10 foi o dia nacional da curcubitácea :) -, ontem acabei por me decidir executar o que já tinha na cabeça há dias.

O que me atrasou a decisão foi a perspectiva de uma enorme estopada. Ter de esperar um dia inteirinho de 24 horas para que os cubos de abóbora largassem, com o açúcar, a água vegetativa para se metamorfosear em calda, ter de esperar tanto por um doce de abóbora, não, isso não é comigo. E resolvi fazer o doce como as musas mo fossem ordenando, sem nunca ter cortado e cozinhado abóbora uma vez sequer. Das duas, uma: ou sou um ser fadado para panelas e fogões, ou foram as musas que me entusiasmaram. Creio que foram as musas, porque ser fadado, ter esse fado, esse destino para mim era uma desgraça. Li ou ouvi dizer, não me lembro, que a profissão mais dura, depois da dos mineiros, era a dos cozinheiros. E a mim, se me tiram a liberdade, dá-me um ataque de claustrofobia que me mata.

Pois então descasquei e parti aos cubos a abóbora, pesei 500 g e levei-a a cozer num tacho tapado, com um fundo de água, primeiro em lume vivo e, tendo levantado fervura, depois em lume moderado.

Quando bem cozida, esmaguei-a com um garfo no próprio tacho e comecei a ficar todo contente porque tinha fios como os da chila, embora mais curtos. Bom augúrio para o doce. Escorri a abóbora desfeita, bem escorrida, no passador e reservei-a. À parte, já fazia uma calda de 400 g de açúcar com um terço de água, até ter atingido 106ºC no termómetro, ou, seja, 108ºC ao nível do mar, o que é o mesmo que ponto de pérola. Juntei ao tacho da calda a abóbora desfeita e escorrida e deixei fervilhar um bocado. Provei. Arg! Nem os porcos, salvo seja, comeriam daquela mistela, eles que adoram abóbora, também salvo seja, isto é, com o devido respeito pelo gosto dos demais humanos. Mas tinha os fios e eu jurara não pôr canela. Fui então por um limão e, sumarento que era, espremi-o todo no doce. Mexi, deixei fervilhar de novo, e provei. O doce dera um grande salto para a frente com aquela acidez, mas ainda faltava algo, e pensei no vinho do Porto. As musas (ou as bacantes?) estavam comigo. Como tinha a experiência do ponto do doce de marmelada, que também puxei bastante para, depois, admitir o vinho do Porto e ficar em ponto normal, fiz o mesmo com este doce. Depois de ver que abria uma estrada larguíssima no fundo do tacho, juntei um cálice de porto, uns 50 a 70 ml (sempre o Dona Antónia, é um vinho sério, com cor e com uma excelente relação qualidade / preço).

Mexi e retirei do lume. Quando arrefeceu, vi que exsudava uma calda inconveniente para o fim a que se destinava, e então, como isto se passou ontem, deixei o doce num coador toda a noite a escorrer essa calda para o tacho. De manhã concentrei esse pouco de calda até ponto de pérola forte e devolvi-o ao doce. Que bom estava! Aquele toque de acidez, o sabor a porto, os fios...

Também ainda ontem preparei a base do gelado salgado. Nomeio o que levou:

Requeijão de ovelha da Serra da Estrela - 160 g
Nata fresca pasteurizada - 200 ml
Leite magro - 250 ml
Pimenta preta fina do moinho
Sal fino
Estragão fresco picado miudamente - um bom ramo.
Estragão seco - 2 colheres de chá

Levei as natas e o leite a aquecer com o requeijão e, uma vez quente, passei esta mistura com a varinha. Juntei-lhe bastante pimenta preta e estragão picado. Temperei de sal. Pareceu-me bem. Arrefecido, meti no frigorífico para a manhã seguinte, a de hoje.

Eu imaginara um contraste bem vincado entre o gelado e o doce. A nível de sal, a nível de pimenta preta e de estragão. Aí é que residiria a diferença da sobremesa. Queria recriar, modernizar aquele requeijão com doce de abóbora que a Elvira comera nas faldas da Serra da Penoita e que eu às vezes como nesta cidade, no restaurante que nela mais frequento. Um grande pote de doce de abóbora, um cesto de requeijões da Serra, serviço livre.

Bom, abreviemos. Hoje de manhã, na minha ideia, a calda do gelado sabia insuficientemente a essa erva usada pelos franceses e nada na nossa cozinha. Preferi-a no gelado à canela no doce. O Gama que me perdoe e que tenha em conta o meu abuso da pimenta. Usei o estragão com vantagem sobre a canela, para meu gosto. Ainda que estivesse a recriar uma sobremesa que não é antiga, é apenas habitual por estas bandas e sem dúvida que portuguesa. Mas, nestas e noutras criatividades, se não temos um pouco de arrojo, deixa de haver criatividade, passa a haver sensaboria.

A base do gelado sabia pouco a estragão, dizia eu, e então meti a varinha mágica no preparado e desfiz o estragão todo. Ficou a saber mais. Pensei no entanto que, gelado, mais sabor se perderia, e então fervi bem um pouco de leite com o estragão seco, juntei esta infusão coada ao preparado e ainda mais estragão fresco picado. Também me parecera com pouco sal e pouca pimenta preta (estava bem fria a calda do gelado, era já por isso). Carreguei bem nos dois e pus na sorveteira uma calda de que qualquer de nós diria um exagero de temperos, que eu tinha estragado tudo. A sorveteira lá ficou às voltas.

Enfim, fiz uma redução do tal vinho do Porto Dona Antónia, fervendo devagar, destapado, e evaporando-o até ficar xaroposo. Creio que a redução terá ficado num quinto do vinho inicial. O curioso é que sabia a uvas passas e tinha uma acidez muitíssimo atraente. Viria a ligar muito bem com o doce, potenciando o seu sabor e a sua acidez, contrastando com o gelado e reforçando a surpresa das ligações. Arrefeceu e pu-lo no frigorífico, tal como o doce de abóbora.

Montei a sobremesa na hora. Coloquei primeiro o doce com uma forma quadrada de empratar, uma cova ao centro para o gelado, depois o gelado, a redução do vinho do Porto, uma ponta de estragão para dar contraste de cor. Foi o culminar de um almoço que me levou toda a manhã a fazer e que bem depressa comi. E se o que antecedeu estava muito bom, desta sobremesa só posso dizer que...


Etiquetas:

sábado, novembro 18, 2006

Manias talvez com explicação

Há um bom par de anos, arranjei uns casais de coelhos com ideia de comer da prole que viesse deles. Sempre tinha comido coelho, mas quando me pus a olhar bem para eles e os vi de focinho a dar a dar, soube que nunca os iria comer. Acabaram por se dar aos vizinhos, porque os miúdos também tinham pena e ninguém em casa os queria.

O mesmo veio a suceder com os pombos. Sabia umas quantas maneiras de cozinhar pombo, e então toca a arranjar uns casais de pombos para encherem a casa de tombos, como se costuma dizer. A filharada chegou a mais de cem, e eram à mesma tão bonitos que ninguém em casa era capaz de comê-los. Foi um assalto ao pombal quando se deram aos vizinhos. Virei as costas, chateado. Bárbaros!

E, no entanto, quanto ao coelho bravo da imagem, que já se esfolou, partiu e congelou, é certo que vou saboreá-lo sem pruridos desses. Era para ser amanhã, já não é, será para outra altura, quando tiver resolvido na minha cabeça o cozinhado e a apresentação para ele.

E se tive pena dos coelhos e dos pombos, porque não tenho pena deste coelho bravo, se evito sempre - sempre - os que se me atravessam na estrada e tudo faço para não os matar?

E o bichinho mais bonito de todos, o cabrito, porque o como com tanto prazer?

Somos carnívoros, às vezes com alguns lampejos de consciência, é o que somos.

Etiquetas:

quinta-feira, novembro 16, 2006

Filetes sobre telha crocante e molho de camarão


Tornei aos filetes. Foram o meu jantar de domingo passado, que só agora ponho aqui. Tinha na arca uns altos, de pescada boa e branca. Deixei-os descongelar naturalmente até ficarem à temperatura ambiente (20ºC) e, pouco antes de os fritar, temperei-os de sal. Mais nada. Nem leite, nem pimentas, nem salsa, nem limão, nada. Sal. Envolvi-os em farinha, passei-os por ovo batido com um nada de azeite e fritei-os à temperatura 170ºC, durante dois minutos medidos ao cronómetro, em óleo novo e abundante, de modo a que ficassem totalmente submersos. Esta fritura faz parte de uma ideia fixa que venho trazendo há tempos. Os deliciosos filetes de pescada do restaurante Gaveto, em Matosinhos, aonde fui por eles bastantes vezes, não são melhores. Portanto, o tempo de fritura é este, para ficarem húmidos por dentro. E a pescada de lá ninguém me tira mais da cabeça que não é congelada. Boa, sim. Diferente da dos supermercados, mas congelada. Pela simples razão de que, sendo à mesma do mar da Galiza, custa menos de metade da fresca, que anda pelos 25 euros o kg e mais, e em Portugal é rara (da grande, galega, branca). Depois de enxutos da fritura, reguei-os com sumo de limão.

Para variar um pouco, criei um molho. Descasquei uns quantos camarões pequenos e pu-los na sertã com as cascas, alho esmagado no passador e bastante azeite já quente. O miolo foi só pô-lo, dar-lhe uma volta e tirá-lo. Deixei depois fritar bem as cascas e coei o azeite, conforme se vê na imagem. Deixei arrefecê-lo e fiz uma maionese de ovo com ele, a que juntei limão, sal e concentrado de tomate de bisnaga. Adicionei os camarõezitos descascados. Rectifiquei de sal e de limão, porque o concentrado de tomate deixara o molho algo doce. O sabor do camarão frito sobressaiu mais assim. Não me lembro se pus pimenta preta, penso que não.

Ando mesmo numa de quanto menos especiarias melhor, procurando jogar antes com sabores e também com texturas. Claro que isto é impossível em outro tipo de cozinha e há pratos e complementos que não podem dispensar as especiarias que lhe são próprias. Umas tripas à moda do Porto sem cominhos, por exemplo, são um desconsolo. Um molho bechamel sem noz-moscada não sobressai. A cada circunstância o seu tempero. Num restaurante indiano, sê indiano completo. Ou seja, quanto mais omnivoramente do mundo formos, mais cultos e menos preconceituosos seremos nestas coisas de comer.

Mas já me alarguei. E para terminar pelo princípio, cozi no forno uma telha de massa quebrada, bem cozida para ficar crocante e jogar bem, como jogou, com o molho e os filetes macios.

Ao empratar, primeiro pus a telha; sobre a telha, o molho; e em cima deste, os filetes. Ao lado um ramo de brócolos cozido em vapor (ficam bem verdes assim). Digamos que pode ser um prato de todos os dias, não espanta, não é caro, não cansa e é um modo de variar de velhos acompanhamentos.

Etiquetas:

segunda-feira, novembro 13, 2006

Endireitando tortas


Sou persistente, mas, não poucas vezes, uma inércia danada possui-me, coisa que costuma dar mau resultado. É certo que essa inércia só aparece em situações menos importantes como é — rio-me — a confecção de uma torta de laranja. Sucedeu que aquele fiasco da torta de limão se deveu a isso mesmo, a eu ter ido à Net buscar a receita de uma torta de laranja para a transmudar — outro smile — em torta de limão, quando tenho em casa uma boa fiada de livros de culinária e doçaria, de que apenas consultei três. Ora na Cozinha Regional Portuguesa, Ed. Verbo, de Maria de Lurdes Modesto, há uma deliciosa torta dessas no capítulo destinado à Estremadura. E lá convoquei a tal persistência para o trabalho de a fazer.

Já não tentei a de limão da Colher de Pau porque, entretanto, num restaurante, provara um doce que diziam conventual, à base de ovos e sumo e raspa de limão de cuja ligação não gostei, e então descobri que, na torta-fiasco, para além da enjoativíssima manteiga da receita, recusara subconscientemente o casamento do limão com o doce e os ovos, tendo então atribuído esse desagrado apenas à manteiga. Também tinha na ideia a extrema delicadeza do sabor e da acidez do limão no conjunto desta sobremesa, o que terá funcionado como um preconceito na minha cabeça.

Isto só quer dizer que fui eu quem não gostou dessa ligação. Como não gosto também de sopa de cebola e de arroz de bacalhau, há pessoas a que apeteceria para hoje um jantar com essa ementa.
Vamos mas é à torta.

Usei:

6 ovos da classe grandes ( de 63 a 73 g)
250 g de açúcar branco
200 ml de sumo de laranja
Raspa da casca de 1 laranja (pus de laranja e meia, por serem pequenas)
1 colher de sobremesa de fécula de milho, ou seja, de Maisena (não Maisena rápida)

Mexi os ovos com o açúcar, sem fazer espuma, até ficar dissolvido. Diluí a Maisena num pouco de sumo, juntei-a ao preparado anterior, bem como todo o sumo e a raspa de laranja. Mexi até a mistura ficar homogénea, sempre sem levantar espuma.

Entretanto, já forrara o tabuleiro (22 x 35 cm) com papel vegetal anti-aderente, e, como era da Glad, não era preciso untá-lo nem polvilhá-lo com açúcar. Com outros papéis, sim, nomeadamente os sem marca, de hipermercados. No entanto, como a receita o mandava, obedeci.

Pré-aqueci o forno até o estabilizar nos 160ºC (medidos no termómetro). Vazei o conteúdo no tabuleiro e ficou no forno 24 minutos e não 20, como aconselhava a receita.

Isto deveu-se a que fiz a torta naquele tabuleiro. Voltei-o sobre o pano humedecido polvilhado com açúcar, tal como vem na receita — oh, paciência! — e enrolei-a em quente tal qual a Maria de Lurdes Modesto escrevera. Deixei-a arrefecer e volteia-a depois para a travessa.

Saiu uma torta de laranja de truz, muito húmida como mandam as regras, e macia. Por tê-la feito naquele tabuleiro, o seu poder de coesão não era brilhante. Na próxima vez, fá-la-ei no tabuleiro que tenho a seguir (30 x 32 cm), enrolá-la-ei no próprio papel (Glad), sem untar. E estou certo de que a coesão se tornará maior. Fá-la-ei também com menos açúcar, mais casca de laranja e talvez reforce a Maisena. São adaptações que muitos de nós fazem às receitas de outros, ou por nosso gosto, ou porque é preciso, ou por ambos os motivos.

Resolvi empratar três fatias de torta com molho de chocolate. O bombom que tencionara derreter no microondas e pô-lo por cima, não derreteu. Parti-o aos bocados e pu-lo como se vê. Já era a preguiça a comandar. Uma tristeza. Bastava tê-lo levado a banho-maria para o amolecer e deixá-lo pendente da torta. Como o relógio em primeiro plano em A Persistência da Memória, de Dali. Talvez um dia o faça.


Etiquetas:

domingo, novembro 12, 2006

O licor de ginja já se bebia


Finalmente engarrafei o licor de ginja, isto é, pus o licor nessa garrafa de litro acima e pouco sobrou. Deixei as ginjas de fora e, em vez de ginja, agora chamo-lhe mais apropriadamente licor de ginja. Nem vos conto nem vos digo. Está tinto e macio, com uma acidez subtil, e já se bebia bem. Não pus nenhum pau de canela e sabe a canela. Como a pressa é inimiga do bom, esperemos. Entretanto, rezo para que as ginjas se aguentem separadas do licor.

Etiquetas:

sábado, novembro 11, 2006

Blogues ligados

Por uma razão ou por outra, mas sempre seguindo um critério de qualidade (o meu) para blogues da família deste, entraram na coluna à direita:

A Cozinha da Joana
A Taste in Heaven
Contraprova
O Bloco do Chefe Cardoso
O Gosto de Bem Comer
Os Comeres da Tareca
Pingas no Copo

No mais, tenho andado com uma preguiça danada para a cozinha. Bom, não sei se preguiça, se cansaço de trabalhar de mais. Ainda assim, amanhã farei algo.

Etiquetas:

segunda-feira, novembro 06, 2006

O pimentão já se escapava

Esqueci-me de escrever o pimentão que pus no ensopado abaixo. Q.b. sempre. Já lá está, a vermelho e tudo.

Etiquetas:

Ensopado de galinha com grão

A galinha pesava 3 kg e tal e fiz este ensopado com parte dela, para o que pedi inspiração à açorda de galo com grão do restaurante Truão em Fátima. Fui-lhe buscar o pão, o legume, o sabor a hortelã, a carne adulta da penosa. A partir daqui variei no modo, no que me saí dois ou três pontos acima daquele prato, que é bem bom e que às vezes vou lá saborear, quando passo para Sul. Há uns tempos que não vou a esse restaurante onde, como em tantos outros, só como um ou dois pratos da ementa, sempre os mesmos, os que me agradaram, para ter menos hipóteses de me desiludirem. No Truão é a açorda de galo, e nela vem tudo misturado, a carne, o grão, nacos em cubo de pão esperado, às vezes tão esperado que também devia esperar um pouco mais no tacho antes de vir para a mesa.

A confecção desta forma de comer galinha, no entanto, deve muito mais ao ensopado alentejano de borrego do que ao prato de Fátima. Exceptua-se a quantidade de caldo que neste meu é bem menos e mais que na açorda do Truão, e também no tempo de estufar a carne, que demorou umas três horas em lume brando, tendo um vez esgotado a calda e ficado a alourar, para depois lhe ser devolvida aos poucos, em pacientes goles de água.

O que levou:

Galinha em pedaços médios.
Pão de trigo da véspera, rústico, em fatias.
Grão.
Uma cebola, azeite e banha feita por mim para o refogado feito até antes de a cebola começar a alourar.
Pimenta preta do moinho, salsa, três dentes de alho esmagados e quatro ou cinco olhos de hortelã desde o princípio da confecção.
Pimentão pouco depois (faltou isto)
1 colher de sopa de vinagre ½ hora antes de terminar o cozinhado.
4 olhos de hortelã 5 minutos antes de servir.


Um pormenor: a galinha começou a estufar sem água durante bastante tempo em lume mínimo. Depois fui-lha juntando devagar para, a seguir, a deixar decrescer e voltar a pô-la lentamente no nível anterior, como disse.

Neste e noutros tipos de comida trabalho a olhómetro. Ao contrário, em muito de pastelaria e confeitaria, e em outras coisas não apenas doces que faço ou me abalanço a fazer, trabalho como num laboratório de química, pesagens electrónicas, volumes exactos, temperaturas em fases do produto e no forno com a exactidão de 1ºC. No caso da malfada torta aí de baixo, este rigor picuinhas trazido da minha formação tecnológica não valeu de nada. A torta foi uma mulher bonita por fora e feia até ao enjoo por dentro, que conheci e que não voltarei a ver. Acabei por esquecer a minha revoltada frustração com este ensopado. Divino, sem vaidade nenhuma. Oxalá todos pudessem provar dele.

Etiquetas:

O falhanço de uma escolha

Tanto trabalho para me sair uma torta de limão hiper-enjoativa. Pensei se aqueles 80 g de manteiga estariam de boa-fé na receita por a onde fiz, substituindo a laranja por limão. E ainda me pus com variações, uma calda ligeira e ácida de limão no fundo da travessa, já parecia que adivinhava, o açúcar caramelizado por cima para ficar mais bonita. Quem me mandou não ter experimentado antes a da Colher de Pau? Pus-me a olhar para aquelas duas colheres de sopa de farinha e para a quantidade de sumo, e foi isso que me levou para maus caminhos. Aqui fica o desperdicio enjoativo em sete imagens. Claro que vai para o arquivo Fiascos aí à direita.






Etiquetas: