segunda-feira, outubro 30, 2006

Como ambrósia


Nem mais. Como ambrósia dos deuses. Depois do almoço pesado que descrevi abaixo, esta sobremesa, em que cismei uns dias, desceu como uma bênção refrescante. Nenhuma das sobremesas que até agora criei, sem ou já com o blogue, se lhe compara em delicadeza e frescura, num refinamento suave e subtil de ligação de sabores e perfumes, o chá, as lichias, o limão, os diferentes graus de doçura de cada uma das partes.

Não tenho palavras. Fica aqui para quem quiser ter o gosto que eu tive. Mas antes, se ainda não dispuser disso, há algo que é preciso comprar: formas para queques em silicone (o Lidl está vendê-las esta semana), iguais ou semelhantes à da imagem do fundo. Também dá jeito, embora seja dispensável, um termómetro até 150ºC no mínimo. Eu tinha um de mercúrio, usado em laboratórios de química, mas partiu-se. Agora tenho um electrónico que, embora mais versátil, é mais lento e possivelmente mais caro (34 euros com portes, se não me engano).

É preciso dar nome isto. Fica então:

Lichias em geleia de chá Darjeeling e limão confitado na sua calda.

Comprar uma lata de lichias e guardá-la no frigorífico.

Confitar em lume muito lento 4 rodelas finas de limão em 100 g de açúcar com igual quantidade água. A meio juntar-se-lhe o vidrado de ¼ de limão. Juntar um pouco de água quando a calda atingir ponto elevado, o da imagem, 106ºC aqui que são 108 à beira-mar (ponto de pérola). Deixar de novo subir a calda até este ponto, retirar as fatias de limão, coar a calda por um passador fino e reservar tudo no frigorífico.

Fazer um chá Darjeeling bastante forte, cinco colheres de chá bem cheias em 250 cc de água a ferver. Deixar o chá abrir durante cinco minutos. Coar das folhas. Completar os 250 cc de chá com água quente. Adoçar com 60 g de açúcar. Reservar.

Entretanto, puseram-se de molho em água fria 5 folhas de gelatina incolor (9 g) durante 4 minutos. Se necessário, aquece-se o chá no microondas, mas sem ferver (até aos 85ºC). Escorrem-se as folhas com as mãos e juntam-se ao chá, mexendo muito bem. Deixa-se arrefecer, até um pouco menos que morno

Põe-se ao chá gelatinado nas formas até um quarto da sua altura Vai ao frigorífico para que comece a prender .

Abre-se a lata de lichias, escorrem-se da calda, arrumam-se três por cada forma, na vertical, com a base para cima, (a gelatina já as segura, embora não esteja perfeitamente sólida), enche-se a forma com o chá gelatinado e volta ao frigorífico para solidificar.

Quando estiver sólido, mas não definitivamente duro (esqueci-me de medir a temperatura deste ponto de prisão da gelatina) , como as formas são maleáveis, separa-se dos lados, uma forma de cada vez, e volta-se sobre o prato de serviço, calcando, sem grandes preocupações, no fundo da forma, que agora está voltado para cima. Como fica agarrado chá gelatinado no fundo, as lichias ficam à mostra, o que é mais bonito.

Depois é só dispôr as fatias de limão, no meu caso duas meias fatias, espalhar a calda no prato e arranjar um enfeite, aqui uma bela flor de Outono e um rebento de hortelã.

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domingo, outubro 29, 2006

De como o que era para ser uma carne de porco à portuguesa se tornou num prato que resume alguns sabores da Beira Alta


Passei uma boa parte da tarde de ontem a estudar como havia de criar um índice para o que vou aqui mostrando, até ter encontrado o princípio de uma solução satisfatória. Está aí à direita, incompleto, sob a imagem da mulher indiana a cozinhar. Quem quiser arrumar as suas coisas e não sabe como, mande-me um e-mail para o correio do blogue. Não dou o peixe, dou a cana para pescar e digo onde está o peixe. Sou um ser cada vez com menos tempo, daí a demora em tornar este blogue mais decente. Disponham. Não cobro taxas nem me faço rogado. Há quatro ou cinco anos na blogosfera, tornei-me um autodidacta razoável em blogues.


Mas vamos ao dia de hoje, perfeitamente louco em comeres e beberes. Deve ter sido da mudança da hora, de modo que hoje pensei muda tantas vezes a hora que algum dia deixará de mudar, e então desci as escadas da casa e trouxe esta garrafa de Quinta do Côtto, Grande Escolha, 1994, porque o almoço prometia. E com razão. Prometeu e cumpriu muito mais do que prometera, desculpem-me estes jogos verbais, é para me desforrar da ministra da Educação, que sabe menos de ensino do que eu sei de cozinha, para não dizer de português, isso era presunção e água benta a mais. É que nem sequer sou professor, era-o o meu avô, e da língua em que escrevo e que se vai dissolvendo "na caca de outras" (e de outros), como escreveu Jorge de Sena num poema.

Pois hoje orgulho-me do cuca de domingos e feriados em que me tornei. Ultimamente a minha loucura tem sido profícua, e hoje, à semelhança do que fiz para o Alentejo, consegui prender num só prato sabores antigos da Beira Alta, dando-lhe um aspecto mais actual. Estava para fazer uma carne de porco à portuguesa, mas pareceu-me mais uma tarefa quotidiana do que uma aventura culinária, e de repente virei a agulha, mantendo algo desse prato nacional, ou seja, a maneira de fazer a carne e os picles. Como vamos chamar a este?

Rojões de porco com morcela, em cama de farinheira e grelos, com batatas alouradas.

A morcela veio de um lado, a farinheira de outro, a carne da pá de porco, de um supermercado, o vinho branco da garrafeira, que o vinho que estava na cozinha era para cozinhar, ou seja, devia ser proibida a sua venda e queimado para aguardente. No fim, notava-se bem o que é a presença de um bom vinho nos cozinhados.

Num tacho, pus a carne de porco partida em dados com uns 3x3 cm de lado, banha feita em casa com a fartura que vêem, pimenta preta moída na altura, de princípio 2 dentes de alho grandes esmagados e outro para o final, uma colher rasa de massa de pimentão, o tal vinho branco a cobrir. Ferveu, com o tacho destapado, corrigi de sal que, à cautela, ainda não tinha posto (a massa de pimentão é bastante salgada), e ferveu até o vinho se evaporar todo e a carne começar a fritar na banha. Quando a carne estava na cor necessária, reservei-a e coei a banha por uma passador fino, e reservei-a também.

Entretanto, pequenas batatas coziam com casca e dei uma entaladela nos enchidos num tacho de água a ferver. Cozi uns poucos de grelos. Abri a farinheira, esfarelei-a, a morcela parti-a às rodelas grossas e fritei-as num pouco na banha, depois de ter alourado nela umas batatas às rodas, batatas que polvilhei com pimentão de La Vera, cuja delicadeza ficou totalmente absorvida pela força dos outros sabores ― eu sabia-o e qui-lo assim, rigorosamente nada manchego. Cortei picles miudamente. Muni-me de azeitonas pretas. Fiz a empratamento, primeiro a farinheira esmiuçada, depois os grelos, a seguir a morcela e finalmente a carne, e deitei por cima desta montagem a banha de fritar os rojões. Estava com uma rica cor, a cor tal qual se vê na imagem, e ajudou a tornar este prato numa tonelada muitíssimo saborosa e ainda mais excessiva de calorias.

Como se não bastasse e como tinha sobrado meia garrafa de vinho, fui a um queijo que tinha em casa, Roquefort Papillon, também hipercalórico e muitíssimo untuoso, um dos queijos meus preferidos. Nem um copo no fundo da garrafa terá sobejado. Esse resto foi por conta das borras que este vinho tem sempre, ainda apresentava boa cor, só ligeiramente castanha na borda do copo, aromas de fruta vermelha e um leve cheiro a hortelã, comum aos grandes vinhos do Douro, como se este vinho fora de série tivesse ainda quatro ou cinco anos. O escuro, a humidade e a temperatura quase sem oscilações da cave são um dos factores para a longa vida dos vinhos.

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quinta-feira, outubro 26, 2006

Medronhos



Um reencontro que me fez sorrir. Há quanto tempo os meus olhos não os viam?

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Intercâmbio

Agradeço à Colher de Pau ter citado este blogue, quando da publicação do seu arroz de pato e fico contente por ter contribuído para o êxito final. A troca de experiências, as ideias que se vão buscar uns aos outros, muitas vezes as receitas ou parte delas são motivo q.b. para se ter alegremente um blogue de gastronomia activa.

Quanto a mim, conforme referi na entrada abaixo, ainda há poucos dias me inspirei no vinho do Porto da marmelada do Cinco Quartos de Laranja, que deve ser excelente.

As imagens do que seria hoje um óptimo jantar foram roubadas aos autores de tais pitéus.

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terça-feira, outubro 24, 2006

Uma atribulada compota de marmelo com passas, pinhões e vinho do Porto


Bem complicada foi a confecção desta compota. Durou, pelo meu método, 10 dias. Escrevi que faziam mal o doce aqui em casa, que os pedaços de marmelo ficavam como sola, e afinal comigo passou-se o mesmo. Pela boca morre o peixe. Duas vezes, nos dias finais, com a calda mais concentrada, os pedaços de marmelo ficaram quase tão duros como os do doce que faziam, apesar de os ter cortado bem maiores, um marmelo em quatro ou seis gomos, conforme o tamanho: diziam que era daí o defeito, mas está visto que não era. De onde então? Dos marmelos? Os marmelos eram amarelinhos e maduros. Não faço ideia.

Em suma, os pedaços de marmelo estavam tão duros que tive de cozê-los numa calda fraca retirada da original, adicionada de água (calda com ponto de fervura a 101ºC ao nível do mar, 99 ºC aqui), com que ficaram macios, e depois vim a repetir a mesma operação em calda semelhante, antes da última ida do tacho ao lume, por terem tornado a endurecer.

O pedaço que se vê no prato como sobremesa estava correcto, tal com em toda a compota, já dada como pronta. De modo que quem quiser seguir a minha receita tem de contar com estes percalços, cuja emenda, de resto, só me enervou a mim. Nunca tinha feito compota ou doce de marmelo, compota e doce neste caso são o mesmo, mas gosto tanto de desafios quanto me aborrece não os vencer. Foi isso que evitou eu ter deitado tudo para o lixo e pensado em soluções para correcção de um imprevisto que ficou bem resolvido.

O que entrou na compota:

2,450 kg de marmelo descascado e sem caroço, aos gomos, como se referiu.
2 kg de açúcar branco.
1,5 L de água.
150 g de sultanas pretas de bom tamanho (ou uvas passas).
100 g de pinhões, que tostei no forno.
1,5 dl de vinho do Porto de 10 anos

Como disse, segui o método que criei para as outras compotas, com o que consegui uma calda acídula e aromática. Medi a temperatura de cocção, que andou sempre pelos 80 – 85ºC.

A ideia de juntar vinho do Porto, embora conheça doces de fruta semi-industriais que o levam, foi de uma marmelada que no Cinco Quartos de Laranja se indica. A calda, medida à parte, estava a 107,7 º C ao nível do mar, portanto em ponto de pérola, e baixei-a no final, a frio, com o vinho do Porto.

Comprei e lavei frascos próprios para conserva, de 250 ml e, ainda a frio, fui-os enchendo de pedaços de marmelo, procurando dispor bem os pinhões tostados e as sultanas pretas, e acabei de encher os frascos com calda até 0,5 cm do bordo. Fechei-os e pu-los num tacho, bem cobertos de água para esterilizar a compota, e ferveram uns 45 minutos, arrefecendo na própria água, seguindo assim as indicações do fabricante. Agora só vou abri-los daqui a dois meses, conforme aconselhavam no prospecto dos frascos.

E a propósito de esterilização, na próxima quinta-feira, dia 26, o Lidl põe à venda aquilo que me parece um esterilizador para conservas, da Biffinett, por 49 euros, julgo. Vou vê-lo e talvez o traga.

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Um velho petisco em escabeche

Comi estas espetadas ainda nem devia ter barba, numa tasca da Praça da Batalha, no Porto, cidade onde passei a infância e parte da adolescência. Desde então nunca mais as esqueci. Consegui recriá-las, e esta é a terceira vez que as faço. Soube, entretanto, que terão nascido em Aveiro, no séc, XVII. Provectas espetadas! Dizem que em Aveiro as fritam ou fritavam. Não vejo hoje nenhuma utilidade nisso, apenas o inconveniente de se tornarem duros os mexilhões. De resto, as espetadas não são para se guardar mais de três dias, tão gulosas se tornam. Vão num ai. O vinagre, o frio do frigorífico e o pouco tempo que duram protegem os mexilhões de qualquer desenvolvimento bacteriano.

Aproveitei, no próprio dia, os mexilhões que sobraram da sopa e enfiei-os em palitos aos cinco em cada um. Fiz um escabeche na sertã, passando por azeite alho esmagado, um ramo de salsa e cebola às rodelas, temperei com pimenta preta e dei-lhe um pouco de cor com pimentão comum, que para pouco mais serve o pimentão dos hipers da Lusitânia. Juntei um pouco da água dos mexilhões, vinagre, vinho branco, deixei ferver. Dispus as espetadas numa tigela com o molho a cobrir e guardei-as no frigorífico e hoje provei-as. Estão boas e amanhã ainda estarão melhores. Servem para um petisco ou para uma entrada.

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segunda-feira, outubro 23, 2006

Bife de lombo de novilho com molho de queijo da Serra e míscaros. Sobremesa: compota de marmelo com pinhões, passas e vinho do Porto.


Na culinária e nas sobremesas, nos licores, nas bebidas, nas compotas, nos pães, nos bolos e bolinhos, nos bombons (parece que prometi voltar a eles), de tudo isto o que me dá mais gozo é inventar de cabo a rabo, como a sopa em baixo, ou reinventar, baseando-me em experiências com outras matérias-primas, como este molho o foi no molho Roquefort, ou então com outro conceito, como a primeira sopa de mexilhões citada aqui, derivada da paella e da fideua andaluzas.

Mas antes de mim, fui ver depois de almoço ao Google, já 7 restaurantes se tinham lembrado do queijo da Serra para substituir no molho o Roquefort, 2 em bacalhau (o que me parece, assim de longe, um mau casamento), 5 em bifes. Reinventei então a pólvora sem saber dos outros. Como se trata de restaurantes que não conheço, não sei como é o molho deles. O meu é assim:


Queijo da Serra um pouco amanteigado - 70 g
Manteiga - 12 g
Natas pasteurizadas (Longa Vida) - 100 ml
Pimenta preta moída grossa.

Mais uma vez grelhei os míscaros, desta vez para lhes tirar a água vegetativa e poderem entrar no molho sem nenhum percalço. Passei-os depois na mesma sertã por manteiga, juntei as natas, tudo em lume brando. Entretanto, esmaguei o queijo com um garfo e, quando as natas ferviam, juntei-o a elas, à manteiga e aos míscaros, retirando à cautela a sertã do lume: não sabia como o queijo iria comportar-se. Afinal portou-se bem, derreteu quase todo cá fora e tornei ao lume com o molho, mexendo até espessar. Desliguei-o e moí um pouco de pimenta. Não precisou de sal. Curiosamente ficou muito mais delicado do que o molho Roquefort, isto é, o queijo da Serra faz um molho, quanto a mim, superior ao do queijo francês, sendo ambos, como sabemos, queijos de ovelha. A modificação que fiz ao molho Roquefort, além do queijo, foi acrescentar mais um pouco a sua quantidade à receita original, isto por o queijo português ser de sabor mais suave.

Mas este molho, que me andava na cabeça há muito, era mal empregado só com pão. Comprei então o bife, um bife de lombo de 250 g, com cerca de 1,5 cm de altura, para mais do que para menos, um bife que me custou os olhos da cara, nunca tinha visto na minha vida lombo de novilho a 27 euros o quilo, só depois é que dei conta. Também não costumo comprar a carne cá, talvez ande desfasado. O certo é que os nuestros hermanos o têm por metade do preço e eu também. Enfim, fica o aviso: foi no Continente. Valha-me que a carne era de grande qualidade.

Testei então a chapa de grelhar e já posso recomendá-la. É excelente para temperaturas baixas, moderadas e altas. Comprei-a no Corte Inglês do Porto, é da marca Castey, passe a publicidade positiva e gratuita.

Tive receio de grelhar o bife a olho, não conhecia a reacção da chapa, tinha-a já há coisa de 15 m a aquecer em lume médio e mandei para lá o bife. Esperei três minutos e virei-o. Esperei mais três minutos e, para estar seguro, usei o termómetro das carnes e deixei-o subir até aos 55ºC, o que nem mais meio minuto demorou. Retirei o bife para um prato, temperei-o dos dois lados apenas com flor de sal e deixei-o assentar, enquanto aquecia o molho de queijo da Serra no microondas.

Dispus primeiro o molho no prato e os míscaros, a seguir o bife, em cima do molho, depois um pequeno ramo de agriões e meia fatia de tomate muito maduro, que grelhara na chapa, sem sal, e que tinha ficado com a textura bastante agradável de uma compota.

Não exagero se disser que deve ter sido o melhor bife que me lembro de ter comido. Estava tudo no seu lugar exacto. Até o tomate. Até os míscaros. Não há dúvida que com matéria-prima boa se fazem milagres. Já nem me lembro da exorbitância do preço.

Não desci as escadas para ir à garrafeira. Tinha uma garrafa cá em cima, já aberta há dois dias, de um copo que bebera a uma refeição qualquer, e outro milagre parece ter-se dado. O vinho, espanhol, D.O. de La Mancha, era médio à entrada na garrafeira há um bom par de anos, valeria para aí um 13 na escala de 20, mas tinha envelhecido tão bem que melhorara notoriamente, sobrepondo em mais 3 pontos a sua qualidade e hoje, comigo a olhar desconfiado para a garrafa, dei-lhe mais 0,5 ponto depois de o provar. Nos aromas retronasais tinha passas, compotas e frutos secos, estava muito macio, o final era mais que médio, a cor estava oxidada como é de esperar num vinho de 16 anos. Contra o que é normal, o modesto Estola ganhara em estar aberto há dois dias.

Bom, para terminar, provei a compota de marmelo que enfrasquei hoje, de que deixo a imagem. Além de uvas passas e pinhões, levou um bom copo de vinho do Porto de 10 anos. Disso darei conta depois.

Hoje ou estava tudo muito bom, a compota inclusive, ou então eu ando pouco esquisito.


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domingo, outubro 22, 2006

Enfim, a sopa de mexilhões com açafrão e Xerês


Fui por outra bolsa de mexilhões, que precisava da água deles para a sopa. Tornei a repetir o estufado de vegetais, tornei a esmagar os estames de açafrão, que doseei melhor, tornei a coar o caldo, troquei a massa fina como aletria por outra mais grossa, talvez menos de metade da grossura do esparguete, depois de a outra já estar cozida. Era fina demais e não me lembro da massa que usei na primeira vez.

Piquei salsa, pu-la no almofariz com azeite e pisei-a com o pilão, juntei-lhe os restos do açafrão para ficar com algum contraste de cor. Cozida a massa al dente, coloquei no prato cinco mexilhões sem casca, a seguir a massa, depois o caldo temperado já com um gole de Xerês e então uns traços do azeite com salsa.

Estava, finalmente, pronta a sopa que, num dia feliz, tinha criado. Há o ditado que garante, e bem: quem porfia, mata caça. Não matei nenhuma perdiz, é certo, mas saboreei a sopa que, além do mais, me aconchegou o estômago para algo que não trocava por perdiz nenhuma, ou por qualquer outro manjar, nem mesmo, naquele momento, por foie gras demi cuit, que é de tudo de comer o que mais gosto.

Esta é a segunda sopa de mexilhões que aqui ponho. Qual das duas a melhor? Respondo como as crianças, quando se lhes pergunta parvamente de quem gostam mais, se do papá, se da mamã. Digo que das duas. Depende das ocasiões. Para o almoço de hoje, por exemplo, esta foi melhor do que iria a primeira.

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sábado, outubro 21, 2006

Caldo entornado de uma sopa que há-de ser de mexilhões e açafrão, perfumada com Xerês

O título vai assim porque, tendo já coado o caldo, dei um toque no cabo do coador e entornei tudo. Foi só ficar a olhar para aquilo sem crer no que via: o caldo aromático e amarelinho a espraiar-se pelo chão da cozinha. Faltavam apenas três minutos para terminar a sopa. Cozer a massa fina como aletria, dois minutos, temperar com Xerez seco e fazer o prato, outro minuto. Comer, cinco minutos. Era o meu jantar. Assim fiquei-me por um iogurte e pouco mais.

Entretanto, adianto aqui no blogue o serviço de amanhã, que sempre fui persistente. Será a sopa do meu almoço, repetindo os passos já dados, os passos que até ao desastre foram os seguintes:

1.º - Lavar e tirar as barbas aos mexilhões.

2.º - Abrir os mexilhões com um nada de água no fundo do tacho, tapá-lo e, logo que abertos, desligar o lume, destapar o tacho e retirar o marisco das conchas. Escolher uns quantos dos mais bonitos e reservar estes em separado dos outros (que vão servir para um petisco).

3. - Ralar cenoura, partir uma fatia de tomate maduro, rodelas de cebola e alho francês.

4.º - Pôr estes vegetais a estufar lentamente com azeite, grãos de pimenta preta e um pouco de salsa.

5.º - Uma vez estufadas, juntar a água que os mexilhões largaram e ainda um pouco de água normal. Deixar levantar fervura, reduzir o lume e ferver devagar.

6.º - Com um pouco de caldo, esmagar o açafrão e juntá-lo à sopa.

7.º - Coar tudo.

E foi aqui que o caldo se entornou. Prossegue amanhã.

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sexta-feira, outubro 20, 2006

Míscaros (com ovos mexidos)


Os míscaros ainda estão pelos olhos da cara, mas não já a 50 euros cada kg, preço que abriu a temporada por estas bandas. Costumam fazê-los segundo as mais diversas receitas e em muitas os tenho comido, só que desta vez não estive para seguir a tradição, estufando-os sozinhos ou como componentes de outro prato. O que queria era captar a subtileza destes cogumelos, quer na sua textura firme, quer no seu aroma a chuva, com um toque muito longínquo de especiarias, mais próximo da canela que de outra qualquer. Poderá alguém pensar que a chuva não cheira. De facto, se tomarmos a chuva como quase água destilada que é, não cheira absolutamente a nada. O que cheira é a água na terra molhada, terra de floresta onde os míscaros brotam, um cheiro húmido, muito fresco, de Outono chuvoso, quando vamos pela manhã entre fetos e árvores.

Se queria captar-lhes esta qualidade de bosque outoniço, ao mesmo tempo humilde e sofisticada, a primeira coisa em que pensei foi em mais tempero nenhum sem ser o sal e num acompanhamento cujo tom de sabor fosse mais baixo que o dos míscaros, para que o destes se realçasse. Decidi-me pelos ovos mexidos em manteiga. A manteiga tem um sabor mais de campo húmido e fresco do que o azeite. O azeite lembra-me a vida austera das oliveiras, a terra agreste, o sol do Mediterrâneo; a manteiga, o cheiro a leite das vacas, dos vitelos que mamam, a frescura do pasto, o Norte, a chuva por associação de sensações, a chuva que faz brotar os cogumelos. Às vezes, as coisas estão escondidas dentro de nós e não percebemos porque escolhemos isto e não aquilo. O certo é que, para mim o sabor da manteiga nos ovos mexidos fez o casamento ideal com os míscaros, sem ter pensado em nada disto de modo objectivo, talvez apenas intuído nebulosamente.

Grelhei os míscaros na nova chapa que é óptima para assar brandamente (ainda não grelhei nenhum bife, para ver como se comporta em altas temperturas). Enquanto preparava os míscaros, temperei-os com sal fino e ficaram prontos quando estavam louros e tinham perdido a maior parte da água. Ajudei os maiores nesta tarefa, espremendo-os contra a chapa, caso contrário iria ter diferentes graus de cozedura. Assim, ficaram todos iguais.

Foi então que fiz os ovos, dois dos grandes, deitados inteiros na frigideira e só depois mexidos com 25 g de manteiga que já lá estava, derretida. Não levaram sal. Tinham já o da manteiga. Quis os ovos mais passados do que o costume, sem no entanto ficarem duros. Uma vez feitos, juntei-lhe os míscaros grelhados. Com pão, foram ontem o meu jantar. Achei-os perfeitos. Sobremesa? Duas bolachas de água e sal com marmelada nova. Bem bom.

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